sexta-feira, dezembro 08, 2006

ADEUS A 2006

A impressão dos escritos neste blog, no ano de 2006, suscita-me amargura. Desde o início que mantive o hábito de colocar em papel os escritos do meu blog para melhor os partilhar com uns quantos amigos. Ou porque não se dão com a internet, ou porque preferem ler em papel, ou, ainda, para que fiquem com a versão final do que fui reescrevendo ao longo do tempo. Mas chegado a este final do ano, sinto que escrevi menos do que eles esperariam, do que eu esperaria; ou talvez tudo isto não passe de uma vaidade minha. E isto faz-me sentir o amargo.

Foi um ano violento.
Deixei de fumar, procurando engordar menos do que a maioria dos que fazem o mesmo, e que é coisa que hoje suspeito ser um disparate. Faltou-me o sono e veio-me uma depressão.
Fiz a versão final de um livro de formação em gestão, de que fui o principal co-autor.
Em Setembro morreu, atropelada por um carro ao acaso, a minha filha, a minha grande amiga. A depressão adensou-se e, para não andar a chorar pelos cantos, enfrasquei-me em fármacos que me impedem a lucidez necessária para o bem dar aulas, coisa que, aliás, nunca soube fazer bem.
Outubro trouxe-me um operação à minha mulher e um intensificar do apoio às lides domésticas nos meses seguintes.

No fim de Fevereiro de 2007 penso estar reformado, com mais tempo para escrever e com mais tempo para ser. Com mais tempo para, simplesmente, estar. Então me redimirei.

terça-feira, outubro 17, 2006

ATÉ AMANHÃ, MARGARIDA!

Neste brevíssimo dizer, gostava de começar por agradecer ao Padre Carrara e ao Padre Paulo toda a compreensão e toda a elevação com que nos têm ajudado ao longo dos últimos dias. Bem hajam, Padre Carrara e Padre Paulo!

De seguida, gostava de agradecer à Flora, mãe dos meus filhos, todo o amor e todo o esforço que este exige, e que dia após dia sempre lhes ofereceu. Bem hajas, Flora!

Gostava também de agradecer a fraternidade dos corações de quantos, aqui ou algures, nos estão a apoiar. Bem hajam!

Quanto a ti, Margarida, já foste.

Sei que aproveitaste bem o teu caminho terreno para desenvolver o teu dom divino. A tua exigência em crescer, em servir, em dar, em viver o momento presente mais que o futuro, eram coisas que imparavelmente te admirava e, às vezes, me preocupavam. Por tudo isto, sei que a tua essência se aproxima de Deus e que será um contributo para o Seu reino.

Quero crer que o teu espírito não se limita à sua essência. Quero crer que deixaste um pouquinho dele em cada mulher, em cada homem, em cada ser com que privaste. Que a cada um deixaste um pouquinho dessa energia mágica de que se faz o contacto entre os seres.

A mim, ter-me-á tocado um pedacinho maior, resultado de um amor e de um convívio muito especiais que a ambos nos unia. Quero dizer-te que desse pedacinho, recheado dos encontros e dos desencontros que o fizeram, não farei luto. Regá-lo-ei, como se regam as margaridas e as outras flores, todos os dias.

E procurarei, também com o que me ensinaste, desenvolver mais e melhor o meu dom divino, engrandecendo o Hino da bondade universal.

Até amanhã, filha!

domingo, outubro 15, 2006

A TI

A ti que ajudas na fuga
De si àquele que te tem
A ti que levas amor
A famintos sem ninguém
A ti que me aqueces do frio
E que me enganas a fome
A ti que enches o vazio
Daquilo que não sinto
A ti, pá, uma figa!

A ti que fazes em mil cores
O grito que me vai no peito
A ti que tornas em músicas
Mil desgostos que alimento
A ti, pá, uma figa!

Já ouço vozes alegres
Que gargalham lá fora!
Vamos todos de mãos dadas!

Por ti, vinho, embebedo-me!

Dedicado, com um abraço, ao meu amigo Francisco M Mendonça, que um dia talvez o leia e que das lembranças que lhe traga talvez se sorria.
C. Marques Pinto, Fevereiro de 1973

quinta-feira, setembro 14, 2006

O SABER

Há muitos anos, li, em Cândido, o Ingénuo, de Voltaire, a amargura de um velho sábio pelo muito que ignorava, misturada com a surpresa que sentia pela felicidade da sua também velha vizinha, despreocupadamente ignorante. Antes disso já me tinham ensinado, creio, que quanto mais se sabe, mais se julga pouco saber.

Esta velha questão perseguiu-me pela vida adentro e fico ainda perplexo sobre o se devo parar ou se devo prosseguir no aumentar das minhas angústias, no aumentar da sensação do que ainda me falta saber. E misturo a felicidade de ir descobrindo isto e aquilo, com a frustração que daí resulta.

Porque cada nova descoberta alarga os horizontes e, portanto, multiplica as fronteiras do desconhecimento. E, ao desvendarmos cada uma dessas fronteiras, cada uma multiplicará, por sua vez, os horizontes desconhecidos. E é assim, sucessivamente, até ao infinito.

sexta-feira, agosto 18, 2006

MARCELO CAETANO PELA PENA DE VASCO PULIDO VALENTE

O artigo de VPV, no Público de ontem, evidenciou-me um Marcelo Caetano mais próximo, mais humano, nas suas misérias e nas suas grandezas da história desencontradas.

E senti que o rigor com que VPV e o Público me presentearam esta proximidade, me reconciliou com esse homem, distante de quem sou politicamente.

E sinto que é o rigor com que vemos a proximidade do outro que cria e alimenta a nossa tolerância por ele.

E sinto que andam todos disto distraídos.

E sinto, como Goethe, que "O próximo afasta-se"...

sexta-feira, agosto 04, 2006

GUERRA, TERRORISMO E VALOR DA VIDA

Sinto a justa preocupação de quem é moderado.

O terrorismo não subscreve o valor que a civilização atribui à vida e propagandeia ser Israel quem mata aqueles que colocam no altar a um Deus que sabem não existir, ou teriam mais cautela...

Mas a guerra também não subscreve aquele mesmo valor e é Israel que imola ou a isso é forçado, diferença que, ao que venho, pouco importa.
As tábuas de Moisés a ambos condenam. Os ditos "direitos do homem" (e da mulher?) que, no passado século, as democratizaram, a ambos condenam. E, hoje, qualquer deles constitui um passo à retaguarda na senda da construção de Deus, da construção de Alá.

E sinto que os sistemas que levaram os homens ao disparate naquele, como noutros cantos do mundo, foram também construídos ou tolerados pelos que são moderados, ou assim se julgam.

domingo, julho 09, 2006

CORPO ESGUIO

Do outro lado do mar
Chegam rezas
Do amor e de amores
Rezas sem fim
Encerradas pelo beijo
No sal da saudade

Lembram-me
O corpo esguio
Sentido
Tomado por amor
Aberto que chama
Sobre o amor fechado
Mel que se desfaz saboreado

Lembram-me
O sem sentido
Que o lugar
Qualquer lugar
Então encerra

sexta-feira, junho 16, 2006

A QUEM LER

Se as páginas deste livro consentem algum
verso feliz, perdoe-me o leitor a indelicadeza
de o ter usurpado previamente. Os nossos
nadas pouco diferem; é vulgar e fortuita a
circunstância de que sejas tu o leitor destes
exercícios e eu o seu redactor.”


da introdução de Fervor de Buenos Aires
(J L Borges, Obras Completas, vol. I, ed. Teorema)

domingo, junho 11, 2006

CAVACO E A CULTURA DO PAÍS

Desde o séc. XVI que se foi criando e aprofundando na cultura portuguesa muitos aspectos retrógrados, como inúmeras vezes por aqui tenho dito, apresentando exemplos, estudos e conclusões de quem estudou a questão. Ora um desses aspectos é o do elevado grau de dependência da mulher e do homem portugueses, a sua dificuldade em se assumirem realmente como adultos.

Penso que um político honesto tem de cuidar o reflectir em questões desta grandeza, antes de propor qualquer política global para o país. Por outro lado, creio que Cavaco Silva é um homem honesto e, mais, de rigor.

Assim sendo, que conclusão sobre a defesa que Cavaco fez, em 10 de Junho, de ser da "responsabilidade" de cada português a construção do futuro Portugal? Voltam-me os receios que em tempos aqui manifestei sobre as limitações culturais de Cavaco para assumir a Presidência da República.

Veremos se alguém lhe explica a impossibilidade cultural de tão generoso desejo e ele arranja forma de "dar a volta" ao que disse ou ... se consegue levar a impor um conjunto de medidas que acelerem as mudanças culturais necessárias para tornar possível o que disse (daqui a una anos, é claro, que estas coisas, sendo mais rápidas hoje, ainda levam o seu tempo).

domingo, abril 16, 2006

NÃO HÁ TEMPO

Desço da montanha.

Não tenho a suposta calma do mar profundo.

Aqui, o tempo escoa-se-me por entre os dedos que teclam, furiosa e insanamente, verbos que deviam ser ideias.

Espelhos estilhaçam-se no torvelinho desta mente sem tempo.

E recuso os adornos com que os homens insistem continuadamente em o encobrir.

sábado, abril 15, 2006

OS FRANCESES E A CULTURA “BOTTOM-UP

Em 1789 a França da Revolução e a intelligentsia que a partir dela se formou, vieram querendo impor ao mundo, de cima, a igualdade. Não há igualdade na natureza, como Darwin bem demonstrou, mas antes a luta constante pela adaptação à sobrevivência. O mundo faz-se pois nessa luta, a partir de baixo, na recusa de vanguardas iluminadas, na luta pela diferença, pelo desigual, pela sobrevivência, pelo continuado aumento do saber. Mas, a par disso, a noosfera requer a solidariedade, a integração dessas diferenças, para que os homens posam construir um futuro cada vez mais complexo, mas também mais harmonioso. Mostra-o a TV, possibilita-o a internet. A luta do homem, hoje e nos tempos vindouros, é a luta pela integração do que é diverso, a construção harmoniosa do todo e não a busca da igualdade de per si.

Nesta justa medida, estão desadequadas as culturas que assentam na realidade e na divindade como coisas reveladas, de fora, como é o caso da França, de grande parte dos países latinos e dos países do norte africano. Atrasarem-se mais ou menos face à evolução do planeta restante, está nas mãos dos seus jovens; o que, nos casos para já conhecidos, parece apontar para um cada vez maior atraso.

quarta-feira, abril 05, 2006

A INCOMPETÊNCIA DOS GESTORES PORTUGUESES

Portugal, segundo diversos relatórios internacionais, deveria estar a travar uma batalha perdida para atrair investimentos estrangeiros. […] Rara tem sido a semana, nos meses mais recentes, em que não foi assinado um contrato ou uma declaração de intenções no valor (dezenas ou mesmo centenas) de milhões de euros: […].

Porque é que os investidores estrangeiros como estes são atraídos para um país que tem o menor índice de produtividade dos 15 Estados-membros da União Europeia anterior ao alargamento? Segundo um relatório recente do Banco de França, talvez seja porque as duas maiores desvantagens de Portugal são a formação laboral e a capacidade de gestão. Outros factores, como infraestruturas, acesso a crédito, estabilidade social e logística, estão altamente cotados, diz o relatório. Empresas que fornecem a formação e a gestão, para suplantar essas duas fraquezas, como é o caso da maior parte dos investidores estrangeiros, obtêm níveis de produtividade dos mais elevados do mundo. [...]


do Courrier Internacional de 31.03.06, citando o Finantial Times

COMENTÁRIO: E o Sr. Sócrates continua convicto de que o Plano Tecnológico é um dos pilares do desenvolvimento nacional. É a cultura, …! No caso presente, as suas vertentes que promovam as necessárias competências para sermos melhores gestores.

terça-feira, abril 04, 2006

EFEMÉRIDE

Surgiu-me e surgiram Rafael e Alfredo que me arrastaram pela humidade das ruas, rumo a alegrias que não sabiam onde encontrar. Não convencido, mais pelo não só, lá fui como que suspenso, detestando-os e agradecendo-lhes.

Não interessa se andamos ou não quarteirões, se por ruas, se por ruelas. Eles tinham de se aportar ao que não sabiam, normalmente ao sabor do excesso de bebida. De fora, naquela cervejaria, vi rostos desconhecidos que celebravam com aparência alegre a efeméride. Abandonei-os contrariados e, chapéu enterrado, mãos enfiadas nos bolsos, empurrei a porta balouçante e entrei. Na algazarra, no fumo, nos braços erguidos com copos, nos rostos sorridentes, meio enjoados, meio cúmplices, nos acenos que me esboçam. Mulheres que se aproximam, que me querem o chapéu, que me querem as mãos enfiadas ainda nos bolsos; que me querem o sobretudo. Recuo assustado, amarelo, sorridente, aparvalhado. Apercebo-me do álcool ocupando o lugar do ar, sinto todo o plástico que me cerca, tudo com a lucidez de quem começa a exaltar os sentidos. Acenei apressada e cobardemente, voltei-me e fugi.

Rafael e Alfredo tinham tido o bom senso de nem sequer entrar. Tinham desaparecido, continuado na sua demanda de alegrias. Estava só. Então uma mulher oferece-me o braço e arrasta-me rua abaixo. Manuela. A Manuela que eu nunca quisera conhecer, por medo de mim; mas que nunca ousara deixar de a ver, anos a fio, paixão escondida, só minha. Continuamos a andar, e por momentos acreditei senti-la saltitar contente ao meu lado, contrastando com o seu aparente andar cadenciado. Fomos.

Barulho num andar por cima de uma porta escancarada a convidar-nos a entrar. Subimos. Uma sala grande de uma casa velha, com um velho soalho de madeira já muito coçada, com uma mesa comprida feita de outras mais pequenas, escondidas por toalhas de tons desconexos e de bibelots também desconexos. Uma sala cheia de gente que acredita na solidez das suas almas e na torpeza das de uns quantos que elegeram como opressores; miúdos rodopiando por todo o lado. “Onde viemos cair, meu Deus!”, desabafei-lhe ao ouvido. Mas ela fez de conta que eu não acreditava no Deus de que falava e acedeu aos instantes convites para nos sentarmos num dos lados do topo da mesa. Vi-me obrigado a largar chapéu e sobretudo. Fiquei-me a procurar ouvir, sem largar a mão da Manuela.

No momento concentravam as atenções numa velha e grande TV, que lhes trazia as glórias, as ilusões do passado de há trinta anos. As flores nas espingardas, o ar imberbe da soldadesca e de uns quantos oficiais. As cerimónias da entronização, não da grande burguesia, mas dos burgueses salazarentos que através do Estado iriam controlar o país, remetendo para caciquismos locais o que seriam sempre as pequenas coisas locais, as da província. Continuavam a crer que fora uma revolução, como talvez o creiam aqueles burgueses agora democraticamente entronizados. Comecei a sentir-me agoniado com aquela mistura de fé e cegueira, da continuada recusa em enfrentar o futuro real.

Sempre fui assim. O social sobrepõe-se ao próximo e este afasta-se − talvez crendo-se maltratado, esquecido −, uma das múltiplas interpretações para o que Goethe disse. E assim me senti. Nunca consegui que os próximos fossem meus espelhos, talvez porque sempre me exigi muito, e creio senti-los pouco dados a outro tanto. Ou talvez porque me tenha habituado aos ares da montanha e do mar profundo e já não saiba vir ao encontro deles.

Manuela percebeu-me a alma, apertou-me a mão, num aperto que me convidava a aceitar mais uns momentos. Seguiu-se, já o esperava, a gravação de então do discurso do grande profeta, sublinhado por calorosas salvas de palmas. Eu suava e imaginava Manuela olhando-me condoída.

Por fim o profeta, talvez condoído de mim e de outros como eu, calou-se. Como que por magia, saltaram comeres e beberes de cestos ocultos sob as toalhas das mesas. Já vivera esta situação uma ou duas vezes, quando jovem; procurava então, em bailes ditos populares, satisfazer outros apetites. Como então e como noutro lado qualquer, tudo era gorduroso.

Levantei-me. Manuela dançava com duas pequenitas em seu redor. As pequenitas foram chamadas a abancar junto das mães. Peguei nos nossos abafos, no meu chapéu, agradeci quase furiosamente e arrastei-a escadas abaixo até à rua. Chapéu posto, vesti-lhe o casaco e vesti-me o sobretudo. Respirei fundo. Meti as mãos nos bolsos. Sem saber o que propor, a não ser fugir.

segunda-feira, março 13, 2006

CAVACO E SÓCRATES

Como já vários disseram, quando houve a relativa certeza de que Cavaco se iria candidatar à Presidência da República, Sócrates terá decidido que lhe conviria governar com ele: terá acreditado sobretudo que assim se criariam condições para levar o seu partido a subscrever medidas necessárias, mas a que o respectivo aparelho se opõe; terá acreditado também que, de certa forma, assim reduziria o que poderia vir a ser o peso do principal partido da oposição, perante as ainda dolorosas medidas de que o país necessita. E, nesta visão, terá conduzido toda a acção do PS nas eleições presidenciais. A ser assim, parece que teríamos de tirar o chapéu à sua mestria política.

E, contudo, as coisas podem não ser tão lineares. Duas coisas movem os homens: as suas acções e o acaso; às vezes mais umas, outras vezes mais o outro. Mas as acções resultam, em grande medida, do profundamente enraizado no espírito de cada um e que dele faz um ser único. E isso constata-se pelas atitudes e comportamentos de cada um; pressente-se nas crenças e nos valores que lhe percebemos.

Nesta perspectiva, vejo um Cavaco que acredita no valor da honestidade e crê nela se enquadrar; cujas decisões são feitas no rigor; que não acredita no acaso e que, talvez por isso, não se alonga no futuro para além de uma meia dúzia de anos.

Também vejo um Sócrates com uma maior crença na sorte, e, também por isso, usando um menor rigor na decisão e tendo uma maior propensão para sonhar o futuro, ou seja, a estender o seu horizonte muito para além da meia dúzia de anos.

Se Sócrates levasse Cavaco a esquecer alguns dos seus bisonhos assessores, a acreditar um pouco mais na sorte e a ver para além da mera meia dúzia de anos; e se Cavaco convencesse Sócrates da imprescindibilidade do rigor na metodologia do pensar e na importância de um povo perceber a honestidade nos seus governantes e instituições, auguraria para Portugal uma próxima década feliz.

Infelizmente, e como acima disse, há coisas que estão profundamente enraizadas em cada homem. E, como assim deverá ser também neste caso, talvez os portugueses venham a ser surpreendidos com conflitos mais ou menos insanáveis entre os dois, com as correspondentes menores eficácia e eficiência de que o país tanto necessita.

Oxalá me engane e, de preferência, redondamente!

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O ESTADO SOCIAL

Nas sociedades mais desenvolvidas, à medida que a esperança de vida aumenta e à medida que aumenta o conhecimento na área da saúde, os gastos sociais com a segurança social, saúde incluída, têm crescido apreciavelmente acima do PIB. Para lá de ser o Estado ou de serem os cidadãos a pagá-los, a questão de fundo, a de largo prazo, é a de que, a continuar tal ritmo de crescimento, tais custos tornar-se-iam socialmente incomportáveis, já que poderiam atingir, dentro de duas ou três décadas, mais de 40% do PIB.

O mesmo problema se coloca relativamente à educação. O explosivo crescimento do conhecimento implica acentuadas mutações nas sociedades, e um e outras obrigam a um crescendo das necessidades de formação, seja ela inicial, seja ela ao longo da vida. Também aqui, a manterem-se os seus anteriores ritmos de crescimento, os custos tornar-se-iam socialmente incomportáveis, fosse quem fosse a pagá-los.

Em tais circunstâncias, a actual discussão sobre quem paga − se o Estado, se os cidadãos, e em que percentagens −, discussão a que a esquerda se limita e em que a esquerda se limita, tende a iludir a dita questão de fundo, a de encontrar soluções sustentáveis em termos do largo prazo. E os cidadãos, que dizemos repetidamente não serem estúpidos, apercebem-se disto, e julgam assim aperceber-se de que falta à esquerda o sentido de Estado, por não cuidar do futuro.
Ao enfatizar a discussão e ao propor soluções para o agora, ou seja, ao aceitar colocar a questão no mero curto prazo histórico, a esquerda entrega assim de bandeja a credibilidade e os votos ao campo liberal.

Ora estes, por definição, navegam ao sabor das ondas dos momentos. Mas aqui, curiosamente, colocam a questão da impossibilidade de o Estado continuar a pagar a factura do social no futuro. Dão a entender que se preocupam com o futuro. Mas, simultaneamente, cuidam de ocultar que também a sociedade civil a não poderá pagar, se mantiverem os seus ritmos de crescimento em relação ao PIB.
Desta feita, os liberais fazem dois em um: contribuem para a aceitação do seu propósito de desmantelar, ou reduzir apreciavelmente o Estado social; e, ao mesmo tempo, apresentam-se aos cidadãos como os mais responsáveis pelo assegurar da sustentabilidade do Estado em termos de futuro, como os mais credíveis em termos de governação.

E os cidadãos não se apercebem de que só fica garantida a sustentabilidade do Estado que os liberais entendem dever ser mínimo, não ficando garantido que a sociedade civil possa arcar com o ritmo de crescimento das referidas despesas.

O rigor deveria obrigar a traçar diferentes cenários de evolução para diferentes soluções que se aventassem e se imaginassem. E só depois de ter meditado sobre tais cenários se deveriam tratar das respostas a dar a no curto/médio prazo.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

REPETE LÁ OUTRA VEZ

Tonho saiu da prisão e emprenhou num baile a Graziela. Teve um filho José.

José não foi carpinteiro, nem foi político. Assim, não tratou do lenho, sagrado ou não, nem se arranjou com vigarices legais. Preencheu-se com a rua, com a preguiça, com o vício, com o tráfico, com a prisão, por esta exacta ordem?

José saiu da prisão e emprenhou numa discoteca a …

terça-feira, fevereiro 07, 2006

SOBRE O QUE BLOGO

Necessariamente sobre mim e os espelhos que me rodeiam. Preocupa-me mais a política, a pintura e a poesia, mas também a literatura que não de cordel.
E isto deve bastar ao http://blogsearch.google.com/.
A LATA DE FERMENTO ROYAL


Nos meus cinco anos, cirandava em torno de minha mãe quando ela se propunha fazer um bolo. E a lata lá estava, com o seu rótulo vermelho. Rótulo vermelho onde havia um círculo no qual figurava a imagem da própria lata! E eu mergulhava no círculo, na lata dentro deste, no círculo desta, na lata ainda mais pequena que lá estava, no círculo desta e continuava sempre, sempre.

Caía em mim e reparava que, afinal, às tantas havia um minúsculo círculo já nada continha. Perplexo e angustiado pela incapacidade do designer, tratava de rapar a massa adocicada que restara na malga onde o bolo fora preparado.

Descobrira o infinito e a impossibilidade de o representar, tudo numa lata de fermento Royal!

A lata e o seu rótulo foram-me perseguindo na vida. Quando me ensinaram filosófica e matematicamente o que era o infinito, eles estiveram contudo ausentes. Mais tarde, muito mais tarde, terei produzido umas quaisquer ligações neuronais, ligações que, segundo Damásio e outros entendidos, condicionam o sentimento e o entendimento, e que me levaram a compreender que aos cinco anos de idade descobrira o infinito, como coisa real, por fora.

Mas a lata e o seu rótulo continuaram a fazer questão em não me abandonar. Li filosofias, religiões, yogas e quejandos. Aprendi que alegrias e cabeçadas neste caminho terreno eram o karma que desvendava o conhecimento que em mim já havia. Mas só hoje, hoje mesmo, quando tomava o meu prosaico duche, produzi mais umas quantas ligações neuronais, percebi que o infinito estivera sempre em mim e que descobri-lo aos cinco anos de idade não foi coisa de monta.

A lata e o seu rótulo foram o seu mero espelho, o espelho do infinito, como coisa real, por dentro.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

LER DEPRESSA

Miúdo ainda, devorava livros de todas as formas, feitios e géneros. Aos 12 anos dei como comigo a ler o Robinson Crusoé. Seguiram-se a colecção Vampiro e todo o Emílio Salgari, um ritmo vertiginoso. Quando me perguntaram como conseguia ler tantos livros, respondia: “Gosto de acção! Só leio os diálogos!”.

Hoje, um colega e amigo contou-me que um antigo professor, o Manuel Miranda, responsável então pela disciplina de Mecânica Racional na Faculdade de Ciências do Porto, teria explicado aos alunos como lia um romance em menos de meia hora, nem que fosse o Ulisses, do James Joyce: começa-se por ler as últimas páginas, para ver como acaba a história; então lê-se as primeiras para se perceber quem é quem; se restarem dúvidas, lê-se algumas do meio…

sábado, fevereiro 04, 2006

AS CARICATURAS DE MAOMÉ

No grão dia singular,
que na lira o douto som
Hierusalém celebrar,
lembrai-Vos de castigar
os ruins filhos de Edom.
Aqueles que tintos vão
no pobre sangue inocente,
soberbos co’ o poder vão,
arraisai-os igualmente:
conheçam que humanos são.

Luís de Camões,
Abel e Sião

Nietzsche compreendeu que Deus deixara de ser enquanto realidade imposta, compreendeu que passara a estar entre nós, em nós, no acompanhar do movimento universal da democratização. Os Mandamentos foram sustituídos, mais tarde, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. E, nas sociedades ocidentais, a que me refiro, os valores são cada vez mais os que cada um constrói para viver.

O caricaturar do Papa, de Cristo, da Senhora ou dos santos, não é pois tomado como real ofensa àqueles, mas antes num sentido metafórico, essencialmente ligado ao facto que se pretende criticar. Porque não respeitam os muçulmanos esta nossa cultura?

Fez bem a Dinamarca em não apresentar desculpas, fizeram mal alguns menos reflexivos dos nossos em censurar “o ferir a susceptibilidade dos muçulmanos”. Cada comunidade tem a sua cultura que deve ser respeitada certamente. Por isso mesmo, os muçulmanos deveriam aceitar que, na nossa cultura, caricaturar Maomé não contém a intenção de o ofender, de os ofender.

As cenas primitivas a que vimos assistindo por parte das comunidades islamitas só mostram a sua dificuldade em tolerar a diferença, em aceitar a democracia e isto num mundo em globalização e democratização. É um prenúncio do seu estertor, de uma desadequação a este novo mundo, como o é o do terrorismo do Sr. Bin Laden.

Coisas do passado que nos atormentam no presente, é certo. Mas que não são adequadas ao futuro e que por isso não sobreviverão.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (5)

4. Como mudar aquelas componentes indesejáveis

A grande questão é de como se há-de promover tais mudanças culturais. Como disse, existe hoje bastante conhecimento sobre técnicas e metodologias para alavancar mudanças culturais. Tais métodos visam refazer as redes neuronais que levam cada um ao seu entendimento do mundo e das coisas, levando-o a adoptar outras formas de o fazer. Quando se trata de sociedades, os meios de comunicação social podem desempenhar um papel relevante no pôr em causa as velhas certezas e no forjar das novas realidades.

Mas profundas alterações no modo como a sociedade portuguesa desenvolve as suas actividades económicas e sociais é, para mim, a chave da questão, o que é realmente necessário para assegurar que as novas realidades se entranhem. Daí que entenda ser fundamental a adopção de dois conjuntos de medidas, em simultâneo.

Um primeiro relacionado com as classes dirigentes, porque a liderança é nesta questão um ponto fundamental, como bem o sabe o povo. Os líderes, como disse, emitem sinais que condicionam o comportamento dos seguidores. Ora uma boa fatia das nossas classes dirigentes, e não só políticas, ou até públicas, mas também privadas, como associações patronais e sindicais, é pouco capaz ou serve-se em lugar de servir. Grande parte é gente pequena, empoleirada em alturas em que se têm de proteger das vertigens.
Haveria que criar condições para que os bons que nelas restam, procurem arrebanhar aqueles que ainda se possam corrigir; que criar condições para que se promovam organizações cívicas, para além dos partidos, afim de gerar novas elites. E haveria que as preparar para contribuírem para a necessária mudança cultural.
Não é tarefa fácil dado o estado de deterioração atingido, pelos muitos telhados de vidro que inibem muitos. Sem resolver este particular aspecto, será difícil uma ampla mobilização. Mas muita coisa se pode e tem de fazer, até apara o apoio ao segundo conjunto de medidas que proponho.

E este segundo conjunto de medidas é a receita liberal: o reduzir drasticamente o aparelho do estado, o aumentar a sua credibilidade e o seu desempenho; o entregar muitas das actuais funções do estado a organizações da sociedade civil; o fomentar um mercado mais livre e concorrencial, em que não se temam as boas gestões estrangeiras − que a independência de uma nação é a das almas dos seus cidadãos e não o do controlo de pseudo centros de decisão económica −.
Seria um crescimento doloroso, estou certo, mas ajudaria a mudar a postura da mulher e do homem português para atitudes mais consentâneas com a sua sobrevivência futura.

Pautando-me, em teoria, por outros catecismos, reconheço ser este o remédio apropriado para o momento nacional.
A ser assim, seria bom que a esquerda abandonasse ideias e vestes do passado, que procurasse vias para evitar ou minorar os reconhecidos efeitos secundários do remédio, e que cuidasse de lhe encontrar alternativas credíveis para o futuro. Pessoalmente, penso que devia pugnar para que os actuais serviços estatais de educação, saúde, de solidariedade fossem sendo progressivamente apropriados por organizações locais radicadas nos seus principais utentes. Penso que deveria pugnar para que se criassem organizações cívicas de cidadania com real poder de intervenção a nível local. Fundamentalmente, contribuir para a criação de um espírito cívico, de solidariedade e de independência no cidadão português.
Seria bom todos acordarmos para o impacto que a cultura tem no nosso futuro. Ignorá-la é escolher a via mais difícil e, portanto, custosa de fazer mudanças. Mas é, sobretudo, aumentar o risco de cometer erros graves na tomada de decisão política. Como no exemplo do prolongar no tempo do imposto da SISA, que acima se viu.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (4)

3. Componentes da cultura nacional que importa mudar (continuação)

Outras importantes características também fortemente vincadas da nossa cultura, já enunciadas por um Verney, por um Antero de Quental, por um António Sérgio, e por vários escritores e ensaístas do século passado são a excessiva dependência homem português e o seu elevado grau de colectivismo. Por um lado, passivo, submisso, dependente, nunca assumido − Jorge de Sena dizia que “o homem português nunca cortou o cordão umbilical” −, característica designada por Hofsted como feminilidade. Por outro, colectivista − significando-se com tal que ele procura a protecção de grupos que lhe defendam os interesses[1] −.
A feminilidade alia-se e potencia a já referida dificuldade dele lidar com o futuro.
O elevado colectivismo indu-lo a constituir grupos que visam mais o defender-se do futuro, que a agir para o aproveitar ou para o procurar influir. Este colectivismo, que também se observa em elevadas proporções noutros povos, como o japonês[2], não é de molde a aproveitar o actual evoluir das sociedades. Na realidade, as sociedades mais individualistas, como a sueca, a australiana e a estado unidense, podem, porque permitem um evoluir mais flexível, em termos darwinistas, responder melhor às profundas alterações provocadas pelo elevado crescimento do conhecimento. Talvez que este factor não seja alheio à estagnação da economia japonesa a partir dos anos de 1990.
Também aqui importa acelerar a mudança destas componentes culturais.

Seria importante mudar outras características culturais, mas, em meu entender, com um menor impacto no nosso futuro enquanto nação.
(continua)

[1] Os povos do norte da europa e os anglo-saxónicos são mais individualistas, significando este termo que cada um assume nas suas mãos o seu futuro, sem necessidade de recorrer ao apoio do estado, família ou grupos de interesse. António Sérgio designava esta atitude de singularismo, optando por designar o colectivismo por comunitarismo.
[2] As razões para o colectivismo japonês são diversas das portuguesas. Terão essencialmente a ver com o manter de características da sociedade feudal anterior à 2.ª guerra mundial, na posterior sociedade industrial.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (3)

3. Componentes da cultura nacional que importa mudar

Aborde-se agora o que considero as características mais inadequadas do povo português face ao momento histórico que atravessa.

A cultura portuguesa foi particularmente dissecada e debatida, a partir do século XIX, por homens de cultura e escritores. Actualmente, existem estudos internacionais que a comparam com a de outros países.

Sabemos hoje uma das características fortemente vincadas da nossa cultura é a dificuldade em lidar com a incerteza do que pode acontecer no futuro, vulgarmente dita como aversão ao risco.
Esta é a razão por que temos dificuldade em planear: é que planear implica o estabelecer de objectivos, estados que se pretendem atingir no futuro; o português arreceia-se de a tal se arriscar e com tal se comprometer; prefere deixar andar, supor que o vai acontecer amanhã é o mesmo que aconteceu ontem; o resultado é o ter de desenrascar, normalmente com custos mais elevados. À escala nacional, eu diria que é o que explica a nossa situação económica neste momento: as classes dirigentes, desde 1985, não planearam em termos estratégicos o futuro da nação, não estabeleceram os grandes objectivos nacionais em termos de sobrevivência e prosperidade, subordinaram-se aos interesses instalados − interesses estes que são necessariamente interesses do passado e, por isso, muitos deles não adequados às necessidades futuras −, deixaram andar e, agora, parece querer desenrascar.
Sabemos que as empresas bem sucedidas, a partir dos anos de 1960, passaram a efectuar o seu planeamento, não tanto em função do passado, mas mais das ameaças e das oportunidades que anteviam no seu futuro. E para o fazer, desenvolveram metodologias adequadas. Tal deveu-se ao crescente aumento do conhecimento humano e, particularmente, às tecnologias de informação e de comunicação, os reais facilitadores da globalização. Tal implicou que cada empresa deparasse sistematicamente com novos produtos concorrentes, com o encurtar dos respectivos ciclos de vida e, também, com novos concorrentes que se apresentavam vindos de algures. Ou seja, o futuro tinha deixado de ser para ela um mero prolongamento do passado como até então o fora.
Hoje, este fenómeno, estende-se a toda a sociedade: o futuro comanda cada vez mais as nossas acções no presente. E, contudo, a nossa cultura, é cunhada, como vimos pelas nossas anteriores vivências, pelo passado. Assim, temos de mudar mais frequentemente e mais profundamente, mas a nossa cultura dificulta-o. As empresas, nomeadamente as estado unidenses, investiram no investigar de como se deve lidar com a resistência que a cultura coloca à mudança, e hoje existe um corpo de conhecimento razoável sobre como o fazer.
Colocada a dificuldade do português em lidar com a incerteza do futuro e compreendido o importante que é agir no presente mais em função dele, no mundo actual, compreende-se a necessidade melhor a necessidade imperiosa de acelerar a mudança desta nossa componente cultural.
(continua)

terça-feira, janeiro 31, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (2)

2. Como se forma e como se muda a cultura

A cultura forja-se das experiências do viver, do superar das dificuldades e traumas, da alegria das conquistas. Em suma, é o passado que a cunha na memória de cada um. Ela adquire-se, pois, pela aprendizagem/vivência que cada membro da sociedade nela faz, seja na família, seja na vizinhança, seja na escola, seja no grupo de amigos, seja no clube, seja na organização onde se trabalha. Este processo de aprendizagem de cada um é condicionado geneticamente pelas características de cada um e é também condicionado pela aprendizagem e pelas experiências vividas anteriormente, nomeadamente as mais traumatizantes.
Damásio diria, eventualmente, que a cultura se entranha em cada um através da formação (e destruição) de redes neuronais, redes que constituiriam os marcadores somáticos do processo decisório. Ou seja, as vivências/aprendizagens de cada um conduziriam à formação de redes de neurónios que condicionariam o processo segundo o qual o indivíduo interpreta a realidade exterior e produz a resposta aos estímulos sentidos.
Numa perspectiva sociológica, convém notar que Marx assentou a sua perspectiva da história na hipótese de que a cultura é condicionada pelo modo de produção da sociedade. Ou seja, a forma como uma comunidade desenvolve a actividade económica tem um grande impacto na sua cultura. Acredito que, se vivesse hoje, encontraria como verdade mais ampla o assentar aquele condicionamento na tecnologia ou tecnologias, latus sensus, empregue pela sociedade.

Cada um reflectir no processo de formação da cultura, procurando em si exemplos que conheça, é um exercício importante para melhor assimilar o seu impacto no devir de uma sociedade. Embora ao longo deste texto vá citando aspectos que contribuem também para tal fim, parece-me importante citar exemplos

Um, o exemplo do impacto negativo que o prolongar do imposto da SISA teve na cultura nacional. Realmente, o prolongar no tempo de imposto tão descabido, permitiu elevadíssimas margens de lucro às empresas do sector, pela via da fuga ao IRC. Ora quando há elevadas margens de lucro, não se necessita do rigor, da boa gestão, como acontece na maioria dos negócios. Tal fomentou, pois, nas empresas do sector, a prática de todas as espécies de desperdícios, de improdutividades, de negociatas de momento, de incompetências, de fraudes. Ora sendo um importante sector de actividade nacional, quem nele trabalha e quem com ele convive oito ou mais horas diárias da sua vida, adquire esses maus procederes e transporta-os para a vida da comunidade. Também a generalizada constatação de que os agentes do estado responsáveis pela avaliação do real valor dos imóveis conviviam bem com a fraude generalizada ao estado, contribuiu, como continua a contribuir em casos similares, para moldar o proceder do homem comum português. Porque a cultura se faz de vivências.

Outros exemplos significativos de como a cultura se faz radicam no forte carácter simbólico dos actos dos dirigentes. Sabe-se que os actos destes têm um profundo impacto nas respectivas sociedades. Não importa tanto o que o chefe diz, como aquilo que ele faz. Que importa que o chefe diga que nos devemos preocupar mais com o planear as coisas se, no dia a dia, tudo o que ele faz é desenrascar? Os seus colaboradores, como ele, tratarão de desenrascar. Ora dar o exemplo não é atributo da grande maioria dos nossos dirigentes, nomeadamente dos da classe política. São sinais incorrectos que são enviados ao homem português e que ele interioriza na sua cultura.
(continua)

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Entendi que seria interessante colocar aqui um texto que fui elaborando sobre a cultura portuguesa e o seu impacto no devir português. A extensão do texto leva a que eu o vá colocando, em partes, ao sabor da vida deste blog.

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (1)

Surpreendo-me amiudadas vezes em deparar com gente com responsabilidades e uma tremenda ignorância sobre o impacto social da cultura. “Nunca tinha pensado nisso!”, “Realmente…”, são confissões que vou escutando. E a questão é que a causa primeira da actual crise portuguesa é a cultura nacional, a forma de ser dos portugueses, a forma de fazerem as coisas, sempre ignorada por eles, pelas suas elites, pelas suas classes dirigentes. E também o é de uma boa parte da europa, da velha europa, termo que, conforme resulta do que adiante digo, me parece correctíssimo.

Aqueles que pretendam fazer política séria, com rigor, têm a obrigação de compreender como a cultura condiciona o debate e a resolução das questões sociais, políticas e económicas, têm a obrigação de compreender como a cultura se faz e têm a obrigação de compreender como a cultura se muda e de que hoje há conhecimento sobre o acelerar dessa mudança.
Urge mentalizar elites e urge renovar elites, elites que o saibam e o usem no garantir de um futuro para a nação.


1. O que é a cultura

Comecemos antes do mais em situar o que se entende por cultura. A cultura de uma sociedade manifesta-se nas atitudes e nos comportamentos dos seus membros. Daí que os americanos digam, de uma forma simplista, que a cultura é “a forma como fazemos as coisas por aqui”.
Os comportamentos e atitudes resultam das crenças e valores − aquilo em que os membros da dita sociedade acreditam e aquilo a que, embora eventualmente não pratiquem, atribuem importância −. Em muitas sociedades tradicionais, por exemplo, havia a crença de que a velhice significava sabedoria e, nessa medida, os velhos eram particularmente respeitados, através de atitudes e comportamentos ajustados dos demais membros dessas sociedades. Valores e crenças vão-se alterando, embora mais lentamente que as atitudes e comportamentos. Mas existe cada vez mais conhecimento sobre como o fazer.
Por sua vez, valores e crenças assentam em algo mais profundo, as ditas assunções básicas, um conjunto de premissas fundamentais, mais profundamente entranhadas em mecanismos do inconsciente e, por isso mesmo, mais dificilmente modificáveis. Há quem sustente que tal só é possível com a ocorrência de acontecimentos traumatizantes, através de profundo sofrer.
(continua)

domingo, janeiro 29, 2006

quinta-feira, janeiro 26, 2006

O TURISMO RESIDENCIAL

Demorou a entrar nas mentalidades das gentes, mas cá está ele, ao fim de muita labuta de alguns mais preocupados com as vocações do país. Venho a dois reparos. Um sobre nosso permanente evitar do futuro pelas nossas gentes, classes dirigentes − sejam políticas, sejam empresariais − incluídas. Outro sobre a incompetência governativa relativa ao tratar das questões desse mesmo futuro.

Sobre a primeira há que constatar o facto de as classes dirigentes não tomarem atitudes proactivas em relação ao futuro, antes sendo coagidas pelos acontecimentos no presente, o que não lhes permitiu apostar mais cedo no turismo residencial, com tal podendo ter minimizado a actual crise económica.
Uma simples análise estratégica, uma análise SWOT na terminologia anglo-saxónica, sobre as vocações do país, teria ajudado a detectá-lo há alguns anos. Mas nem políticos, nem empresários o fizeram, entretidos que andavam na exploração de passados moribundos. E só ficará de lição, se os visados se aperceberem do disparate − o que duvido, porque lhes falta a necessária capacidade da autocrítica e lhes sobra o provincianismo − ou se, o que vai dar no mesmo, mudarmos os actuais paradigmas culturais e o homem português se tornar independente, capaz de desenhar o seu futuro e de o influir, sem recorrer ao Estado, à família ou às panelas, ou às paróquias, ou outros que lhe aproveitam.

Sobre a incompetência governativa no lidar com as novas questões que se colocam, ela resulta em grande parte da anterior atitude de governantes e altos funcionários. A questão que coloco é bem simples.
Tenho em meu poder um estudo da opinião de cidadãos ingleses e alemães que pretendem comprar casa em Espanha − os cidadãos oriundos do Reino Unido e da Alemanha representam 80% dos cidadãos estrangeiros que aí o fazem −. É um estudo realizado pela maior empresa espanhola de estudos de marketing imobiliário, a Grupoi (www.grupoi.es). Quando olho para o que eles preferem e o que procuram evitar, vejo que serão necessárias medidas legislativas que lhes possibilitem fixar aqui residência rapidamente e de forma permanente, que lhes permitam mover-se facilmente nos nossos meios bancário e segurador, que lhes permitam prover às necessidades eventuais de saúde, etc. E necessário se torna fomentar a existência de toda uma série de serviços de apoio à sua integração em Portugal. Será que o governo e os nossos altos funcionários se preocuparam em estudar o que de necessário se torna fazer ou, como desconfio que irá acontecer, vão andar a reboque das necessidades, emperrando e dificultando o que poderá ser um dos grandes sustentos da nação?

quarta-feira, janeiro 25, 2006

AS NOVAS ELITES

Com Guttemberg o conhecimento multiplicou-se, criou ele a elite do renascimento.

Com a internet, o conhecimento exponencia-se, pertence a cada mulher e a cada homem, desfaz ele as elites que o apropriavam.

As novas elites assentarão no meta-conhecimento e no espírito.

terça-feira, janeiro 24, 2006

ALEGREMENTE ABORTARAM

Entenderam os dignatários da candidatura de Manuel Alegre eleger o aborto como a grande causa a que devem devotar os seus esforços.

Ignoraram o sentido profundo do mais de um milhão que nele votou, ignoraram − aliás nem tal lhes deve ocorrer − a necessidade de se construir organizações que suportem a intervenção cívica, em tempos do necessário reduzir do aparelho do Estado.

Esquerda passadista que não atina realmente com a importância de refazer as suas perspectivas em tempos de neo-liberalismo.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

RESCALDO ELEITORAL

Ao pequeno almoço, dizia à minha mulher que instabilidade política poderia vir mais de uma desavença José Sócrates/Manuel Alegre, que de outro lado. Abro o Público e reparo que António Barreto também se inclina para tal opinião.

A questão de fundo, para além dos protagonistas, é o sentimento de muitos portugueses estarem agastados com os partidos, o sentimento de que entidades com tantos vícios, tão fechadas e tão pouco transparentes não bastam para apoiar a construção do futuro. Penso que este sentir vai muito além do milhão de votos que obteve Manuel Alegre.

O mesmo António Barreto dizia, na edição de Domingo do mesmo jornal, que a tarefa do futuro Presidente da República deveria ser sobretudo orientada pela luta contra a corrupção e, portanto, pelo repor de uma justiça operante, baseando-se no Governo para o fazer.
Ora não me parece que ao futuro Presidente da República baste o Governo para reduzir os actuais níveis de corrupção, pelas evidentes ligações que este tem ao partido que o apoia e que por isso lhe colocam constrangimentos.

Para além disso, penso que construir o futuro português implica mais do que o combate à corrupção, que é certamente importante. Temos de procurar na cultura, no modo como fazemos as coisas, as causas do nosso torpor e não que as imputar unicamente à pouca lisura das classes dirigentes. E a grande questão que se coloca é a da drástica redução do peso do Estado, não só na economia, mas no dia a dia da vida da mulher e do homem portugueses. Sem tal redução, os portugueses continuarão dele dependentes, continuarão passivos, continuarão não actuantes. Em tais circunstâncias não há autêntica independência nacional nem há um acentuado progresso nacional, que não meramente económico.
Reduzir o Estado implica mais sociedade civil. Implica mais iniciativa do mercado. Significa, para que nos acautelemos de efeitos nefastos do neo-liberalismo, que haja na sociedade civil organizações de cidadãos capazes de assumir funções hoje na alçada do Estado. Nomeadamente no apoio às actividades de bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos. O reconhecimento efectivo da importância deste papel dos cidadãos, para além dos partidos políticos, permitiria a Portugal dar um salto para uma sociedade mais liberal, mas também mais justa.

Ora Sócrates, contrariamente aos mais que o milhão de votos em Alegre, não parece subscrever esta necessidade de participação dos cidadãos; na sua autenticidade, ele dispensa os cidadãos, como dispensaria a justiça, como dispensaria o Presidente da República, se pudesse; não o digo por mal, mas porque me parece ser essa a sua natureza (que ele, obviamente, tentará combater!). Quanto a Cavaco, por um lado é um homem de serviço, distante dos partidos, o que poderia levá-lo a reconhecer a bondade de organizações cívicas para além dos partidos; por outro, sinto-o um homem só e sem uma cultura sólida, o que disso o afasta.

É neste enquadramento global que Manuel Alegre e o movimento de apoio à sua candidatura se terão de situar, não podendo ou, pelo menos, não devendo, colocar em risco a actual legitimidade governamental.

domingo, janeiro 22, 2006

FOTO MARAVILHOSA N.º 1

Esta e outras fotos, foram-me enviadas por não sei quem e feitas por não sei quem. Aqui fica com a devida vénia.



sábado, janeiro 21, 2006

OUTRA VEZ A INDEPENDÊNCIA NACIONAL


Ao ouvir alegar alguns ditos patriotas sobre a necessidade de manter os centros de decisão de grandes empresas portuguesas em mãos nacionais, pergunto-lhes se tal motivo, para a política prática, não será afinal de secundária importância. Proponho-lhes a ideia de que as razões supremas, nas cousas humanas, devem ser sempre as espirituais: e concluí daí que o nosso povo tem todo o direito de manter-se livre − sem necessidade de distinções quanto a quem controla tais centros − desde que queira realmente sê-lo. O essencial fundamento da independência é que haja nas almas dos portugueses um apego tenaz à autonomia. O remédio para a absorção não é o de mostrar o controlo de decisão de tais empresas: é o de manter nas almas dos cidadãos o amor candente da liberdade. Esse amor (e não as origens dos capitais em tais empresas, nem o propalado poder de decisão, nem os gestores estrangeiros) nos pode defender da absorção espanhola.

Os povos maiores que os seus vizinhos, ou quase tão grandes como os seus vizinhos, conservam naturalmente a independência, como simples efeito do seu tamanho. Não é necessário à nação espanhola um amor à liberdade muito intenso para não ser submetida pela portuguesa: basta-lhe para isso ser maior do que nós. Os portugueses, pelo contrário, não podem dever a autonomia à simples grandeza do seu país; hão-de ser livres, tão-só, pela vontade enérgica de serem livres. Como as nações pequenas, vizinhas de grandes, tem por necessidade ser assim.

É que um certo carácter ou um modo de ser, uma dada atitude do espírito, quando existe, não se pode manifestar num sentido só: manifesta-se em todos e em geral. Quem tem o amor da independência, não o tem somente em relação a A, ou a B, ou a C: exerce-o sempre em relação a tudo. O mesmo espírito de liberdade, que um homem revela com a gente de fora, usa-o com o governo do seu próprio país. Aquela forma de mentalidade que conferiu aos habitantes das montanhas suíças uma tão difícil independência em relação às gentes que os circundavam − não seria essa mesma que deu aos suíços a sua índole republicana? E de igual modo, certas propensões dos portugueses, de que resultou a independência em relação à Espanha, não serão as que mantêm na nossa história, aflorando em crises, a persistente aspiração para as liberdades populares?

Se há, pois, diferenças em relação à Espanha, busquemo-las na alma, e não já no tão propalado controlo dos centros decisórios. Avento que é mais plástico o nosso espírito, mais aberto, mais conciliador e assimilador, que é mais político e mais cívico, mais humanista e mais liberal do que o espírito dos espanhóis; e que, se esta diferença de caracteres se não revelou melhor na nossa história, foi talvez que o influxo dos nossos vizinhos nos desviou da órbita natural e porque faltaram neste país as actividades produtoras em que pudesse apoiar-se uma classe forte, menos dependente do poder do estado. Os dirigentes, no século XIV em Portugal, tiveram almas de marujos, e não de pastores; criaram-se no porto, e não na planura. Ama o espanhol a sua aldeia: parece, porém, menos acessível do que nós o somos a um largo interesse pela coisa pública. É que nascemos para as instituições livres; é-nos necessária, a nós, a liberdade de discussão. O que falta, agora, é educar esse interesse espontâneo: torná-lo instruído das questões técnicas, dar-lhe um programa de realizações positivas, carrilá-lo enfim para as soluções concretas dos problemas económico-sociais. Fez-se a República com paixões e retórica: cumpre agora refazê-la com verdadeiras ideias, − e com tacto e senhorio de si…Mas não divaguemos. Volto à minha: quem quer no povo de Portugal instintos de liberdade em relação a outros países, − para uso externo, − tem de apreciar a liberdade em si, e para uso interno. Não será assim?


N. B. − Este texto é uma adaptação (muito ligeira!) de um outro que António Sérgio escreveu em Paris, em 1927, e está publicado nas suas Notas Políticas (incluídas no tomo III dos seus Ensaios). A independência a que ele se referia, então, era à fronteiriça, à da absorção territorial de Portugal por Espanha, coisa mais grave que a dos centros decisórios. Para além disso, cortei algumas partes do texto não adequadas ao momento presente e que em nada alteram nem o sentido nem as teses nele enunciadas.
Mas quando os nossos políticos pretendem que tais centros decisórios são fundamentais à independência que propalam, pergunto-me se não estão a vender barato bens nacionais a “mãos nacionais”, “mãos” essas que daqui a uns anos os comercializarão a estrangeiros com boas mais valias… Não teria a nação mais proveito, se desde já as vendesse o próprio Estado com tais mais valias a esses estrangeiros? Ou há políticos ganham também com aquela negociata?

sexta-feira, janeiro 20, 2006

AS REFLEXÕES DE SÃO JOSÉ ALMEIDA

Não se trata, penso, de um santo, mas tão só de uma cronista do Público, que reflectiu na edição de hoje deste diário. Respigo as reflexões que mais interessam ao que venho.

Primeiramente, a seguinte: “… que se prende com as consequências do campear de um individualismo feroz na sociedade portuguesa pós-25 de Abril, sem dimensão social e sem espírito público, responsável pela relativização ética da política portuguesa e pelo alastrar de uma promiscuidade corrupta que mina a sociedade.”

Logo de seguida: “… a inexistência de um projecto ou melhor de projectos de esquerda para a sociedade portuguesa. A esquerda portuguesa tem-se limitado a viver superficialmente da máquina do Estado à sombra de um clientelismo boçal − no que, aliás, convenhamos, é igualada pela direita − e sem cuidar em fazer a mínima reflexão teórica, sem se preocupar em debater coisa alguma, sem investir na busca de um modelo de desenvolvimento para o país, que ultrapasse a receita gasta e estafada introduzida por Cavaco Silva no início dos anos 90, a qual assenta exclusivamente nas obras públicas. Um projecto que repense e dinamize o papel do Estado, sem os mitos propagandísticos neoliberais de que é possível existir uma sociedade sem regulação estatal, ou que esta deve ser reduzida à sua ínfima expressão, numa espécie de reedição contemporânea do lassez faire lassez passer em que o lucro é o único valor. Quando vai a esquerda enterrar os cantos de sereia do pós-modernismo?”

Tem razão a cronista. Mas a constatação é estafada, lida e relida, dita e redita, a nada conduz.

Nada tenho de pessoal contra esta cronista, nem contra tantos outros que desta forma polulam na nossa imprensa. A verdade, porém, é que o país necessita de melhor. Precisa de cronistas que constatem coisas novas, que se abalancem noutras perspectivas e, sobretudo, que não se deixem arrastar pelo voo fácil da constatação superficial e analisem mais profundamente as causas do constatado e lhe proponham soluções.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

O AZUL NA CRIAÇÃO

Na luz se acolheu
Matou a sede da água
Abraçou o ouro no céu
Embebedou as aves
Adão tomou-o como seu.


SOBRE O AZUL

Percorrendo a simbologia do azul, deparo-me com coisas sabidas e com uma ou outra novidade.

Sabido o representar do céu, do caminho, da liberdade − na bandeira francesa, o parlamento −.
Sabido a virilidade, a nobreza do sangue azul.
Sabido que em tons leves proporciona paz e harmonia e que em tons fortes acarreta depressão, impetuosidade, mutabilidade.

Não sabido que representa a harmonia e a arte na bandeira do orgulho gay e que representa os heterossexuais na bandeira dos bissexuais.
Não sabido que, com o rosa, fazem as cores da libra, signo do zodíaco cigano, equivalente ao da nossa balança. Libra que representa o equilíbrio e a justiça, a riqueza material e espiritual. Rugero Malvasquez é o seu cigano protector.
Não sabido que se designa a segunda lua cheia num mesmo mês por lua azul. Lua que ocorre só três vezes em cada sete anos e está ligada a tradições da deusa terra, a Avalon e a duendes. Fernando Pessoa dedicou-lhe um poema, que é assim:


A Lua (dizem os Ingleses)

A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.
E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.
Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua(dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.


14-11-1931

quarta-feira, janeiro 18, 2006

PORTOGAIA

Criá-la, ideia sem paternidade, repescada por Filipe Meneses e (quixotescamente?) defendida por Paulo Rangel, terá mais valias, mas não as encontro nessa tosca defesa. A ideia sabe-me a uma refundação nacional, a Porto Cale, a um tempo passado, e, sobretudo, parece-me deparar com a escassez de pontes entre as duas cidades…

Melhor seria se os responsáveis por estas cidades se articulassem para levar a cabo projectos de gabarito e não de campanário, que as projectassem neste canto da europa.

Já aqui sugeri (quixotescamente?) um projecto de dimensão internacional para toda a zona do Porto ribeirinho, que então designei por Porto Cosmopolita. Permitiria a recuperação daquela zona − coisa que com capitais nacionais será uma quimera − e povoá-la-ia com gentes estrangeiras que aqui despenderiam os seus proventos. Trata-se de um projecto exequível, comercialmente vantajoso e que retomaria a tradição histórica de aquelas zonas serem muito povoadas por estrangeiros.

Um ilustre cidadão portuense devolveu-me a proposta com um comentário: “Fico à espera do que diz Rui Rio”.
Comentou bem. Mas penso ser sempre possível as pessoas rasgarem véus que as tolhem, compreenderem o interesse dos que representam com um horizonte maior e colocarem-no acima do seu.

terça-feira, janeiro 17, 2006

BENJAMIN FRANKLIN

No tri centésimo ano do seu nascimento, lavro aqui a minha admiração e respeito pelo Leonardo da Vinci americano, príncipe entre os maiores, 10.º filho de um operário que fazia sabonetes.
A EUROPA VELHA

Interrompo as minhas férias neste blog, à cause de um típico disparate, desta feita francês. São os franceses essa gente que fez o pensar de uma grande franja do europeu continental (exceptuam-se os países nórdicos), pensar que hoje não responde aos desafios do futuro e que, por isso, urge mudar.

O disparate é do seu Presidente da República. Refiro o título do Público (de hoje): “Jacques Chirac pretende lançar motor de busca europeu para concorrer com o Google”.

A hegemonia norte-americana combate-se, na opinião deste senhor, investindo largos milhões de euros dos europeus num mega-projecto, liderado, ou pelo menos condicionado, por burocratas. Não se combate fomentando antes uma nova cultura mais adequada a que surjam as iniciativas da sociedade civil, das empresas.

Escapa-lhe que depois do Google muitos outros e diversos Google’s virão… Pobre França, pobre europa continental!

sexta-feira, janeiro 13, 2006

O VERBO CINZENTO

Não gosto de homens pardos. Mas admiro a boa táctica, o estilo, de um discurso cinzento desenhado para bons fins por mulher ou homem rectos.

Pessoalmente, tenho dificuldade em o fazer. Sempre que o tento, fica-me a suspeita de que não gostarão. Uns porque não gostarão de discursos cinzentos, porque preferem o preto no branco. Os outros não gostarão do que digo apesar de em cinzento.

Não sou pardo e não me dou com o verbo cinzento.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

O MEU BLOGAR

Teclo coisas, dizeres, contos, ditos que são sempre reditos, umas e outros antes e depois de uns e de outras. Desolado, olho-as no monitor, refaço-as, apago-as e desisto, que o arquivo só deve albergar sonhos dignos, pensares de primeira água. Passá-las ao blog, nem pensar. E se alguém os lesse?! Se descobrisse que me perco em vírgulas, em pontos com dimensão, em gramáticas, em sintaxes, em pragmáticas, em intertextos, para nada dizer, para o que digo saber a nada?

Creio ter o sentido de tudo, de como as coisas são e serão, para no minuto seguinte em nada acreditar. Como o Fernando. Que também nasceu a 13 de Junho, que também a mãe expediu num barco, aos sete anos, para a metrópole, ao cuidado do comandante, e que depois escreveu um poema a que chamou o Menino de sua mãe. Nunca escreverei um poema assim. O meu comandante foi-se, o barco apequenou-se, nele só caibo eu, que remarei até não ter barco e que depois nadarei, sem nunca saber para onde.

Ensinaram-me o que não quis aprender. Aprendi o que não me ensinaram. Estudei muito para não saber nada. Não me valeu Séneca com o fim a aproveitar os ventos. Não abdiquei dos fins, cuidando que os objectivos eram coisas comuns, que me distraíam. Vivi sem uns e ainda não dei com os outros.

A tudo aspirei, mas nada quis, que estava em serviço. E vejo as pessoas a passar, cada uma fugindo do seu drama e nele vivendo. Ao fugir, tornam-se risíveis na sua pequenez, embrulham-se na sofreguidão de nada. E invejo a velha e pobre(?) vizinha do sábio com quem Cândido falou.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

A MÃO DO REDACTOR


Na coluna DIZ-SE do Público de 7/01/2006, aparecem, consecutivos, os seguintes ditos:

“Se perder as eleições, o mais certo é [Mário] Soares, no dia seguinte, não perceber que perdeu. Vai ficar tudo bem.”

PEDRO LOMBA, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 06-01-06

“Se sentir que as minhas qualidades estão a decrescer, (…) se começar a sentir-me diminuído por alguma razão, é evidente que isso põe-me um problema de consciência. E isso seria a renúnica.”

MÁRIO SOARES, SÁBADO, 06-01-06

Redator cínico, hem?

sábado, janeiro 07, 2006

VELHAS QUADRAS

Sobram-me na memória estas quadras antigas que, para não se perderem nos tempos, registo de seguida.

Carne de porco é presunto
Prato partido é caco
Homem morto é defunto
Olho do cú é buraco

No cume daquela serra
Plantei uma roseira.
Quanto mais a rosa cresce
Mais a rosa do cume cheira.

Oh pensão da morte lenta
No inferno sejas tu!
Já tenho ferrugem nos dentes
E teias de aranha no cú.

Primeiro roeu as unhas
Os dedos depois roeu.
Foi roendo o corpo inteiro
Roeu-se todo e morreu.

As três primeiras “rimam” em torno de uma palavra controversa e contudo banal, enquanto a última talvez tenha sido escrita por uma assassina ingénua, que assim pretendia justificar o desaparecimento de um cara-metade, dando-o como ansioso em excesso.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

MULTINACIONAIS E INDEPENDÊNCIA(?) PORTUGUESA

Leio e ouço, surpreendido, de quando em quando, as preocupações de dignatários de partidos, de comentadores de pacotilha ou não, até de Jorge Sampaio, sobre a perda de “independência” nacional resultante da tomada de posição em grandes empresas nacionais por outras multinacionais. São preocupações que vêm em ondas, provocadas normalmente por circunstâncias do momento, causando grande bulha.

Duvido da autêntica sinceridade destas gentes, Jorge Sampaio incluído. E duvido, porque não os vejo preocupados, honesta e activamente, no dia a dia, com a maior causa da não independência nacional, que é a fortíssima dependência da mulher e do homem portugueses face ao Estado (e também face às organizações várias que as(os) enquadram). Esta sim, é causa da não independência nacional, na profunda acepção do termo. A independência de uma nação assenta, antes do mais, na independência das suas mulheres e dos seus homens. Se umas e outros forem independentes, verdadeiramente adultos, capazes de assumir e construir os seus destinos, não permitindo que outros nisso se lhes substituam, então a nação será independente. Mas não é o caso.

E, sabem os mais entendidos, que não estou só, bem antes pelo contrário, quando sustento que essa recusa em ser adulta(o), em ser independente, da nossa mulher e do nosso homem, é a principal causa do nosso atraso, desde há longos anos. E até as nossas ditas “elites”, ontem como hoje, têm vivido “das migalhas que caem da mesa da Europa”.

E desconfio que, se tais gentes não se preocupam com esta dependência da mulher e do homem português, e se se preocupam com a primeira, com a da referida tomada de posição por parte das multinacionais, ou é porque são ignorantes, ou é porque alguma coisa perdem com isso, ou é porque procuram uma desculpa para o seu não contributo para resolverem aquela principal causa da não independência nacional, ou é porque são fatalistas.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

INSTABILIDADE POLÍTICA

“Há muita gente que vota Cavaco Silva porque pensa que ele é o salvador. (…) O que vai dar é que a instabilidade política vai crescer, e muito, se Cavaco Silva for eleito”.
João Cravinho, à Rádio Renascença, em 3/1/06 (citado no Público de 4/1/06)

Não voto nestas eleições, porque não vejo nos candidatos um que possa, em meu entender, bem servir o país. Aparte isso, se com Cavaco Silva a instabilidade política crescer, poderá ser coisa boa, se for acentuada, se proporcionar grandes mudanças.

Efectivamente, o país precisa de se alijar de muitos dos seus actuais dirigentes, precisa de renovar elites, de se libertar de um 25 de Abril que não se consumou em autêntica revolução. Seja na classe política, seja nas associações e outras organizações de intervenção pública. Gente menos presa a interesses instalados, menos presa a ideias passadas, a pensar em promover o português como adulto e não como subserviente ao Estado e dele sempre dependente.

Efectivamente, o país precisa de desmontar meticulosamente a monstruosa máquina do Estado e de reduzi-la a um pequeno corpo de trabalhadores competentes e com vontade de bem servir. Precisa que o Estado seja menos interventivo e melhor fiscalizador. Precisa de desmontar e tornar coerente o confuso aparelho legislativo, mais criado para tentar controlar “a priori” do que para bem regulamentar o essencial e estabelecer a boa fiscalização.

Efectivamente, o país precisa que se mobilize a sociedade civil, para além dos partidos políticos, para a intervenção empenhada e respeitadora, no político, no social e no económico. Há que libertar e canalizar essas enormes energias desperdiçadas e que por aí vivem frustradas.

Efectivamente, o país precisa… de tanta coisa! Coisas que sem uma boa dose de instabilidade, sabiamente controlada, não acontecerão. Não se cresce sem sofrimento. E Portugal precisa de crescer.

Acompanho, pois, João Cravinho no seu desejo de que a futura eleição de Cavaco Silva contribua para tal tipo de instabilidade.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

NOVAMENTE O TURISMO RESIDENCIAL


Portugal tem feito muito pouco pela vida, em parte preso a élites de pensares serôdios e em parte pelos interesses do passado, ou seja, instalados. No que respeita ao turismo residencial, onde temos excelentes perspectivas, ó no Algarve se vão comercializando, e de forma muito incipiente, habitações a estrangeiros. Normalmente são estes que as vêm procurar, ou então procura-se comercializá-las através da internet − um meio baratucho e pouco eficaz (estudos demonstram que a intervenção de um intermediário próximo, em que depositem confiança é um factor chave) −, não se recorre a estudos de mercado sobre a opinião da procura e sobre os canais de comercialização a adoptar nos principais mercados (alemão e inglês). Enfim, uma abordagem pouco profissional. Um não fazer o trabalho de casa.

E não percebo porque não se comercializam noutras zonas, no Porto e na costa do Minho, por exemplo. Estudos - estrangeiros, obviamente - a que tenho acesso, e não estou autorizado a divulgar, mostram existir um segmento apreciável de reformados, cujos principais interesses, para além do clima, são a hospitalidade, os custos da habitação/de vida, a qualidade de vida e a gastronomia. E cujas principais reticências se prendem com a língua e a distância (ao aeroporto), a cultura, a paisagem.

Porque não poderá, neste quadro o Porto/Minho, competir com o Algarve? Só porque os nossos municipalistas e os nossos empreendedores nisso não acreditam. Uma questão de fé, pela negativa.

terça-feira, janeiro 03, 2006

A DEPRESSÃO CHEGOU ONTEM AOS PRÓS E CONTRAS

Não chegou em surdina, mas anunciada. Trazida mais pelos comentadores do que pela Fátima, espraiou-se pelos ditos e reditos e consagrou-se no “optimismo dramático” com que Boaventura S. Santos encara o 2006 português.

Muito se poderia dizer sobre os comentários produzidos no programa, feitos por gente que apreciamos. A verdade é que não trouxeram novidade, mas as visões e soluções repisadas, na maioria comuns às do impasse na correspondente discussão europeia. O desfecho, Fátima, não podia ser outro. Notei-lhe tristeza com o rumo da conversa (estarei enganado?), talvez porque entende, e bem, que o seu programa devia ser um ponto de partida para a construção e não para o desalento.

O desfecho não podia ser outro, escrevia, porque o assunto exige análise mais funda. Como diria Sérgio, o voo fácil na análise do que condiciona o social português (e europeu), não nos é útil, não nos permite tirar pistas para os males de que padecemos. Não repetirei o que sobre assunto já fui escrevendo neste blog, ao longo de 2005. Mas gostaria de chamar a atenção para algo que me parece ter escapado à conversa de ontem e gostaria de fazer também uma sugestão à Fátima.

O que me parece ter escapado à conversa, foi a necessidade de destrinçar muito bem o problema português do problema social europeu. Embora haja semelhanças com o que acontece na Europa mais desenvolvida, a verdade é que o nosso atraso em relação a ela é substancial, por um lado, e as características sociais e culturais que nos imobilizam são mais vincadas que as correspondentes europeias, por outro. O que tem, obviamente, consequências importantes no pensar das soluções.

Quanto à sugestão à Fátima, resulta ela de uma constatação simples. Nos seus programas vejo sempre os mesmos comentadores, que já conhecemos de outras bandas. Da mesma forma que vejo sempre as mesmas pessoas à frente de municípios, de associações empresariais, de sindicatos, eu sei lá! Não há mais gente neste país que possa ajudar? Não há estrangeiros a viver no país que possam dar a sua perspectiva? Se nos programas são realmente necessários especialistas, pois convide alguns. Mas convide também gente nova, de qualidade, que a há, certamente. Contribua, pois, para o renovar tão necessário das elites deste país.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O FUTURO DO SOCIAL NA EUROPA

Há uns dois anos, um artigo da liberal Forbes questionava os franceses sobre como tencionavam trabalhar menos, ter um melhor estado social e viver mais anos no mundo actual. Quem pagava a factura?

Dois anos decorridos, os franceses estão mais pobres e com mais problemas. E com eles, grande parte da europa continental, que não consegue arejar as ideias, libertar-se das amarras do passado, concentrar-se no futuro.

Procuro que os meus alunos percebam que irão viver até aos 150 anos, que não se poderão provavelmente reformar antes dos 120(?); que, ao ritmo do avanço do conhecimento, não se trata já de estudar vida fora, mas de se prepararem para mudar completamente de saberes ao longo da sua vida. Alguns compreendem ao que vou, os outros, a seu tempo, também o compreenderão.

E pergunto-me se os cidadãos europeus compreendem, estão preparados para as grandes mudanças que terão de enfrentar? Mas quem os prepara? O amontoado de dirigentes desorientados, impreparados para o futuro que já se visiona?
Sabemos hoje que a mudança pode ser gerida, que existem metodologias para diminuir as resistências à mesma, que se requer preparação adequada. Mas as classes dirigentes insistem em o ignorar, agarradas que estão a ideias passadas e aos interesses instalados, por isso mesmo, interesses do passado.

Uma questão fundamental é a de como se devem os estados europeus organizar para compatibilizarem a necessidade crescente de individualismo, de criatividade, para dar resposta ao futuro, com a necessidade de perseverar a solidariedade social tão cara, e bem, a este continente.

No que concerne à previdência social, os estudos mais diversos, embora nem sempre unânimes, parecem indicar que o sistema actual não é viável do ponto de vista financeiro. E quando olho para a crescente desumanização inerente a este sistema, onde se passa ao largo do pobre que dorme na soleira, dos velhos sós, dos com fome, envergonhados ou não, constato que os males não são só os financeiros. O modelo não só está esgotado, como não prova.

As famílias já não são pilar social, como o eram no passado, capaz de assegurar o apoio aos seus mais carenciados, às suas crianças, aos seus velhos, aos seus doentes. Mas os estados e os seus sistemas continuam a fundar-se na velha noção da família/clã, exigindo-lhe uma resposta que ela já não pode dar. Ora o mudar esta perspectiva pode ajudar ao encontrar de soluções para a crise do social.

Talvez os europeus pudessem aproveitar a oportunidade para criar uma nova célula social base onde assentar a construção da sociedade. Célula local que providenciasse serviços mais humanizados e de maior proximidade aos seus carenciados, crianças, velhos, desempregados, doentes. Célula a funcionar sempre numa lógica de abertura ao todo social em que se inserem[1], condição necessária à sua evolução e ao acrescer da sua inteligência.

O ressurgimento do conceito da comunidade local? Talvez. Mas, sobretudo, o encontrar novas formas de organização social capazes de aproveitar as enormes energias solidárias disponíveis nas nossas sociedades para resolver as grandes questões sociais, mobilizando os europeus no revolucionar do seu modo de estar, no revolucionar das suas mentalidades.

[1] Ou seja, ter-se-ia de garantir a fácil possibilidade de os cidadãos que as integram, migrarem de uma para outra, e teriam de constantemente se adaptar ao todo social e para ele contribuírem. [Sabemos hoje que os sistemas fechados sobre si próprios não evoluem, transformam-se em abcessos sociais que, tarde ou cedo, prejudicam a harmonia social].

domingo, janeiro 01, 2006

O ESTADO PORTUGUÊS EM 2005 − 2006

Em 2005, deparei com candidatos à Presidência da República que não possuem as capacidades requeridas pelo bom andamento do país.
Em 2006, um deles vai assumir a função.
A culpa é do Estado, que não promove as competências, e não dos portugueses, coitados.

Em 2005, o Governo resolveu endividar as gerações futuras com o TGVOTA, mesmo depois do desastre nas eleições autárquicas.
Em 2006, com o beneplácito do futuro Presidente da República, vai começar a gastar essas massas.
A culpa é do Estado, que tem de alimentar partidos e interesses do passado que o suportam, e não nossa que face a ele nada podemos fazer, coitados.

Em 2005 debati-me com a questão de, na qualidade de professor de cursos de engenharia, dever ou não aprovar alunos que não dominavam a língua portuguesa minimamente para exercerem a profissão de engenheiro.
Em 2006, terei o mesmo problema, possivelmente agravado.
A culpa é certamente do Estado e não dos paizinhos e dos professores do ensino secundário, coitados.

Em 2005 mudei da habitação. Como ainda não consegui vender a antiga, estou a pagar juros enormes do empréstimo que para o efeito contraí.
Em 2006, devo continuar a ter dificuldade de vender a antiga e tenho de mandar fazer mais uns furos no cinto.
A culpa é do Estado, que não anda com isto para a frente, e não nossa, coitados.

Como compreenderão, a lista seria interminável, pelo que a minha depressão atingiria níveis provavelmente insuportáveis, não compatíveis com as minhas disponibilidades para ir ao psiquiatra. Fica à vossa imaginação − e resistência à depressão − o acrescentá-la.
No fundo só queria que compreendessem que, em 2005, a culpa era do Estado e, em 2006, o será também. Mais descansadinhos nas vossas poltronas?