terça-feira, fevereiro 07, 2006

A LATA DE FERMENTO ROYAL


Nos meus cinco anos, cirandava em torno de minha mãe quando ela se propunha fazer um bolo. E a lata lá estava, com o seu rótulo vermelho. Rótulo vermelho onde havia um círculo no qual figurava a imagem da própria lata! E eu mergulhava no círculo, na lata dentro deste, no círculo desta, na lata ainda mais pequena que lá estava, no círculo desta e continuava sempre, sempre.

Caía em mim e reparava que, afinal, às tantas havia um minúsculo círculo já nada continha. Perplexo e angustiado pela incapacidade do designer, tratava de rapar a massa adocicada que restara na malga onde o bolo fora preparado.

Descobrira o infinito e a impossibilidade de o representar, tudo numa lata de fermento Royal!

A lata e o seu rótulo foram-me perseguindo na vida. Quando me ensinaram filosófica e matematicamente o que era o infinito, eles estiveram contudo ausentes. Mais tarde, muito mais tarde, terei produzido umas quaisquer ligações neuronais, ligações que, segundo Damásio e outros entendidos, condicionam o sentimento e o entendimento, e que me levaram a compreender que aos cinco anos de idade descobrira o infinito, como coisa real, por fora.

Mas a lata e o seu rótulo continuaram a fazer questão em não me abandonar. Li filosofias, religiões, yogas e quejandos. Aprendi que alegrias e cabeçadas neste caminho terreno eram o karma que desvendava o conhecimento que em mim já havia. Mas só hoje, hoje mesmo, quando tomava o meu prosaico duche, produzi mais umas quantas ligações neuronais, percebi que o infinito estivera sempre em mim e que descobri-lo aos cinco anos de idade não foi coisa de monta.

A lata e o seu rótulo foram o seu mero espelho, o espelho do infinito, como coisa real, por dentro.