sábado, dezembro 31, 2005

SOBRE A DESCENTRALIZAÇÃO

“ […] Tudo isto significa, em resumo, descentralizar − mas descentralizar… pelo espírito. O espírito é tudo. Não curemos de obter o efeito − só por meio de reformas legislativas, políticas e formais. Se descentralizássemos no código, sem cuidar de descentralizar nas almas, ou sucederia novo fracasso, como em 1878, ou adicionaríamos ao grande Estado outros estadinhos omnipotentes, com os seus ódios de campanário e com a mesma espécie de banditismo que se manifesta nos largos bandos. […] A reforma, por isso, só começará quando nas cidades, nas vilas, nas aldeias […] houver grupos de cidadãos [honestos] decididos a contar consigo próprios, dispostos a combater no seu cantinho a omnipotência das clientelas, a criar falanges de reformadores que dirijam os serviços de geral interesse, repelindo o polvo do centralismo dos vários redutos de que se apossou. Criar o espírito descentralista, o gosto da iniciativa na vida social, o da actuação na cooperativa e na sociedade escolar, na oficina e no sindicato, na assembleia municipal e no município […]. A sanção do código virá a seu tempo. Sejamos cidadãos a todas as horas […] por um esforço quotidiano de autonomia, no palmo de terra em que temos os pés: esse, ao cabo de contas, é o caminho seguro da liberdade. O remédio para os erros da liberdade é uma liberdade mais bem entendida, − mais concreta, mais espiritual, mais de raiz. Lamentemos sinceramente aqueles que por falta de generosidade − ou de inteligência − são incapazes de o compreender.”

De António Sérgio, em “A propósito dos ‘Ensaios Políticos’ de Spencer

quinta-feira, dezembro 29, 2005

A MENTALIDADE PORTUGUESA ONTEM E HOJE

Escrevia António Sérgio no seu ensaio “A propósito dos ‘Ensaios Políticos’ de Spencer”, em 1917:

“Não imputemos a superioridade de qualquer nação à superioridade dos seus governos, mas à superioridade das suas elites e às suas energias criadoras. Se os parlamentares da Grã-Bretanha não são como os nossos pais-da-pátria, a sua capacidade para tutelar um povo não é por isso muito maior: os negócios de uma nação não cabem na pasta de um ministro, nem no tinteiro de um legiferante; o povo inglês não sobreleva pelo valor dos seus políticos, mas pela têmpera dos seus produtores, dos seus cidadãos. Por infinita que creiais a distância entre os ministérios de além da Mancha e dos Governos do Terreiro do Paço, isso realmente pouco importa: o primacial é que os homens de Manchester diferem dos pretendentes da nossa Arcada, que os pedagogos de Abbotsholme se não parecem com os Doutores Minervas, que a nursery não é a cozinha onde se faz a educação dos nossos meninos, que os tidos por sábios em Oxford e Cambridge não pertencem ao género dos “intelectuais” de cá, que os juízes ingleses não são como os nossos, e que o operário de Inglaterra é dotado de uma energia de atenção consideravelmente superior à de qualquer outro do universo e da capacidade de se emancipar ele próprio sem se ficar à espera que alguém o salve. Aí estão as graníticas realidades, incriáveis à força de papelada, e absolutamente imprescritíveis por qualquer forma de legislação.

Mas há outra ideia a recomendar aos nossos confortáveis compatriotas, amigos da tutela e do palavriado: e é que não só a superioridade do Inglês não procedeu da dos governantes, senão que ele próprio a foi roborando pela restrição activa e quotidiana da esfera de acção dos donos do Estado. Durante séculos de luta, o Inglês açaimou a Coroa com o Parlamento; a Coroa, o Parlamento e a Burocracia − com os Juízes; e os Juízes, finalmente, com o Júri (note-se que aqui o essencial não é possuir todos estes orgãos, estas personagens e instituições, mas possuir as qualidades psíquicas que os geraram espontaneamente, no movimento continuado de uma vontade metodizada,
self-controled, não impulsiva). Longe de lhe pedir qualquer auxílio, o Inglês de raça mais pacato tende a ver no estado um inimigo, e é um revolucionário ordeiro de todos os dias; mas o nosso revolucionário, por via de regra, é um pretendente a ditador. Não são bons políticos o que mais nos falta: do que se carece em Portugal é de verdadeiros cidadãos, de um povo capaz de se organizar a si, de exigir dos tribunos ideias nítidas, soluções concretas.”

Em 2005, penso que se em Portugal se não descentraliza, não é porque os governos o não queiram, mas sim porque o povo e as nossas elites(?) o não querem; se se hipoteca o futuro com o TGVOTA, é porque o povo e as elites se lhe não opõem; se muitos médicos, juízes e outros de outras corporações não cumprem com as suas funções, é porque o povo consente e cala; e por aí fora.

António Sérgio falou do Inglês, mas eu poderia dizer agora, praticamente o mesmo, do nosso vizinho Espanhol.

O esforço para alterar esta mentalidade portuguesa é de crucial importância, é a questão nevrálgica do devir português.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

NAS PRESIDENCIAIS, ABSTENHO-ME COM DESGOSTO

A recente questiúncula sobre a sugestão de Cavaco Silva no existir de um Secretário de Estado, ou de um Director Geral, para as empresas estrangeiras foi a gota de água que me levou a decidir. Não só pelo desinteresse da sugestão e pela falta de grandeza e visão que ela encerra, mas pelo recuo daquele senhor, que nem ao menos se atreve a questionar a mentalidade avessa ao conflito criativo.

Desde quando é anticonstitucional o presidente da república, ou um candidato ao posto, sugerirem na praça pública algo cuja composição compete definitivamente ao Governo?! O facto de se discutir na praça pública temas relevantes para o futuro do país impede a boa colaboração?! O impedimento está só em algumas cabeças deste país de pseudo consensos, em que tudo se passa atrás das cortinas, apartando cada vez mais as gentes do fazer política.

Não! Decididamente o país não precisa de si, Sr. Cavaco Silva. Ganhará à primeira volta, estou convicto, porque os outros candidatos são, por razões diversas, ainda menos credíveis. Mas ganhará por omissão. Ganhará porque as elites(?) portuguesas falharam e continuam a falhar. No caso vertente, em não terem gerado um estadista que o remetesse, Sr. Cavaco Silva, à sua pequenez!

terça-feira, dezembro 27, 2005

POSSUÍMOS O QUE PERDEMOS

Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que essas perdas são agora o que é meu.
Só o que morreu é nosso, só é nosso o que perdemos.
Jorge L. Borges, Os Conjurados

segunda-feira, dezembro 26, 2005

PROVAVELMENTE HAIKUS

Sulcos na areia deixados pelo vazar da maré. Vistos e fotografados nas praias de Esposende pela sensibilidade do António Sá. Fotos expostas este mês na Biblioteca Florbela Espanca, em Matosinhos.

Eis algumas delas, acompanhadas pelo texto que ele para o efeito construiu. O meu agradecimento e a minha admiração ao autor.

Como é sabido, o haiku pode definir-se como uma forma de poesia breve, depurada e simples. Esta poesia tem por conteúdo a expressão de uma percepção da natureza e a sua forma resume-se a três versos curtos.
O poeta do
haiku dedica uma grande atenção às mais pequenas e subtis manifestações da natureza, captando, registando, presentificando o instantâneo; o haiku é, pode dizer-se, consequência de uma permanente atitude de espanto perante o fenómeno da natureza. Neste sentido, mais do que uma forma de poesia, é uma forma de ver o mundo.



As fotografias mostradas não serão tanto o resultado directo da leitura de variados haikus, mas antes um testemunho de como um mesmo modo de sentir, olhar e partilhar o mundo, de como pessoas com sensibilidades convergentes, se podem exprimir de forma diversa.

Penso ser oportuno relembrar as pertinentes palavras daquele que é o maior poeta da língua alemã do séc. XX − Rainer Maria Rilke (1875-1926):
“Se o quotidiano lhe parecer pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador, nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes."

ANTÓNIO SÁ

sexta-feira, dezembro 23, 2005

SHERLOCK HOLMES E A SANITA

Quando leio Borges, sinto a minha inteligência respeitada, a minha sensibilidade ampliada e um julgar em excesso a minha tosca erudição.

Pela sua mão, sou levado a reparar, divertido, que Sherlock, esse que não gostava de rosas, pelo menos de algumas, das que se entretinha a desfolhar, e de que, por isso e ao mesmo tempo, também gostava, esse Sherlock hermafrodita, ermo de Afrodite, narcisista, não frequentava a casa de banho! E, contudo, sobrava-lhe tempo.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

DESAFIOS AO FUTURO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Percebi que criava inimigos, o que me afligia… mas
julguei que devia preferir a tudo, apesar disso, a
obediência ao deus que me inspirava.


Da Apologia de Sócrates

O problema da cultura, da mentalidade: este é, se me
não engano, o problema característico do Portugal
moderno, e o mais grave dos problemas da sociedade
portuguesa.

ANTÓNIO SÉRGIO


Querendo inspirar, aparto-me da humildade, e atrevo-me a oferecer umas poucas reflexões sobre o que entendo serem três grandes desafios do futuro Presidente da República Portuguesa.


1. Incentivar o acelerar da mudança cultural

A primeira e a mais importante questão, a que realmente tolhe o país, que tolhe cada português, é a questão cultural. Com cultura pretendo aqui significar a forma de os portugueses fazerem as coisas (the way we do the things, na gíria anglo-saxónica). Refiro-me à falta de rigor no apreciar das coisas; refiro-me à dependência face ao estado; refiro-me ao gregarismo imanente à pertença a um grupo para defender interesses particulares em detrimento do interesse geral; refiro-me à aversão ao risco, ao estabelecer de objectivos e, portanto, ao planear. E coloco também a questão de tudo procurar resolver no curto prazo, característica comum às outras sociedades ocidentais, que será, talvez a principal razão da sua decadência ao longo do século XXI.

Muitos estarão de acordo comigo quanto à primazia da real influência da cultura. Divergimos porém na medicação. Não partilho o fatalismo dos que se atêm à impossibilidade de acelerar as mudanças culturais. Efectivamente, constato que as multinacionais gastaram milhares de milhões de dólares, desde fins da década de 1980 até cerca de 2000, a incentivar o estudo das culturas dos povos e das organizações, dos seus efeitos, e de como acelerar e suavizar as mudanças que na cultura emperram. A título de exemplo, cito a equipa da Prof.ª Susan Schneider (Universidade de Geneva, Suiça), que em 1995 foi convidada por um país da ex-cortina de ferro – só seis anos depois da queda da dita – para ajudar o governo a desenhar medidas que diminuíssem a dependência dos cidadãos face ao estado, para mais rapidamente evoluir para uma economia de mercado.

Reconheço o importante papel que uma boa formação tem na modificação da cultura, mas subsiste aqui a dificuldade colocada pelo adjectivo boa. É um grosseiro erro pensar que a literacia por si só pode contribuir para a cultura. Atente-se, por exemplo, que Vitor Hugo acreditava que com a alfabetização, o crime desapareceria em França … Não! Ele há o lido e ele há o entendido. Sendo que este último é o culto.

Importa aqui analisar a influência do modo de produção, ou da tecnologia?[1], na cultura a que aqui me refiro. Passo a citar um exemplo chegado, de todos conhecido, que a abona. Em recente apelo ao Sr. Presidente da República sobre a necessidade de uma ampla amnistia a todos os que prevaricaram no fugir ao imposto da SISA, apelo que não foi entendido na sua essência e que por isso terá seguido os trâmites habituais, referia-me eu ao papel negativíssimo que o prolongar no tempo desse imposto teve na cultura portuguesa. É que por essa via, o sector da construção civil, um dos nossos maiores sectores de actividade, auferiu de margens de lucro especulativas, derivadas da fuga ao IRC associada àquela outra, o que permitiu que nele perdurasse uma elevada improdutividade, certamente muito superior à tão badalada da função pública, e que se manifestava, e ainda manifesta, por baixíssimos níveis de rigor na gestão, visíveis e sentidos por todos na sua prática do dia a dia. Os projectos são meros esboços, a construção não se planeia e, depois segue-se necessariamente o desenrascanço: o fazer é “meia bola e força”, deita abaixo, torna a fazer; não é hoje, fica para amanhã, para a semana ou para o mês; e o que se podia fazer bem, em meia dúzia de meses, leva anos, com os correspondentes encargos financeiros, e fica mal, ao dobro do preço. Ora este modo de fazer as coisas, esta tecnologia, como bem observava Marx, transbordou para a cultura nacional, contribuindo para grande parte das deficiências que lhe reconhecemos.

Daí que alguns acreditem que o necessário desmembramento do nosso aparelho de Estado − obra por fazer aquando do 25 de Abril, e que coloca em causa, juntamente com a ausência de uma profunda mudança cultural, o seu estatuto de revolução −, o desmembramento dessa imensa teia, dizia, que enleia o país, que o não deixa crescer, aliado ao acicatar de uma maior concorrência, abrigada da fraude fiscal e suportada por uma justiça operante, acabariam por modificar aquela forma de estar, de fazer as coisas.

Sou obrigado a concordar com estes, não por ideologia, mas porque estou aqui a cuidar de medicação necessária ao momento. A prevenção vem, para mim, depois.
O que não invalida que se recorra, em paralelo, ao saber existente para acelerar as mudanças culturais, nomeadamente: à escolha de líderes com atitudes e comportamentos de rigor, porque sabemos que eles têm um forte carácter simbólico; e aos meios de comunicação, para colocar em causa valores e crenças perniciosos e para sugerir outros mais consentâneos com o a construção de um futuro para Portugal. E convém aproveitar também o que se sabe sobre o lidar com mudanças para minimizar esforços, acelerar processos e gerir os conflitos.


2. Promover o estabelecimento de desígnios nacionais

A segunda questão que me trás refere-se ao traçar de grandes rumos para o país, sem os quais a sua liderança carece de sentido, por ser ela o mobilizar de vontades e esforços para os objectivos, neste caso os nacionais.

Faço um parêntesis para relembrar a gestão estratégica, metodologia que proponho para traçar tais rumos.

Na década de 1960, as empresas americanas aperceberam-se de que o futuro deixara de ser a projecção do passado e que, portanto, já não podiam continuar a planear à sombra deste; por exemplo, se as vendas do produto A tinham vindo a crescer a 2% ao ano, já nada garantia que no ano seguinte continuassem a crescer da mesma forma. Adoptaram então a atitude de perscrutar as oportunidades e as ameaças que o futuro lhes colocava, de fazer a avaliação das suas capacidades (forças e fraquezas) face aos concorrentes e, então, de traçar objectivos e rumos para os prosseguir; estes visavam aproveitar as oportunidades, evitar as ameaças, e baseavam-se no que sabiam fazer bem (forças); se tal não bastasse, investiam para transformar algumas fraquezas nas forças requeridas.
Em meados da década de 1980, constataram que a turbulência, ou seja, o conjunto das descontinuidades do futuro em relação ao passado, era tão elevada, que tinham de constantemente fazer este exercício do replaneamento.
E descobriram também que muitas das acções que planeavam eram de difícil implementação, porque deparavam com grandes resistências à mudança por parte dos seus colaboradores, o que ficou conhecido como resistência comportamental. É que a nossa cabeça é feita no passado e o nosso agir é cada vez mais ditado por um futuro que se lhe não assemelha. Feitas as contas, concluíram que deviam investir no lidar com esta resistência, e cuidaram de incentivar a investigação sobre esta questão.

E é esta metodologia de bom senso – que tanto se aplica a uma pessoa, como a uma organização ou a um país – que os nossos responsáveis políticos deveriam adoptar para estabelecer os grandes desígnios nacionais e os rumos para os atingir. Se bem o fizessem, seria então mais fácil que fossem apropriados pela generalidade dos cidadãos, por neles reconhecerem o bom emprego das forças do país e dos seus esforços no aproveitar das oportunidades que se lhe oferecem. A estratégia de Lisboa, os clusters do Prof. Porter, etc., poderiam complementar, mas não sobrepor-se a tais desígnios e rumos.

É claro que no caso de um país, para evitar o constante refazer de fins e rumos para os atingir, a que a elevada turbulência obriga as empresas, se exige que se procure ver o futuro mais além, a ser mais visionário, afim de os estabilizar; e, também por isso, há necessidade de amplo concerto sobre os fins a atingir, o que exige ao político planeador as capacidades de diálogo e de persuasão.

Estes grandes desígnios/rumos orientariam grande parte das acções e esforços de cidadãos, empresas, instituições e administração pública. Assim, se escolhido o turismo residencial como um desígnio − e não resumi-lo a alguns empreendimentos em torno de uns campos de golfe − havia que mobilizar nele os esforços das forças vivas: cidadãos, empresários, investigação, escolas, administração pública; se escolhida a exploração florestal − exploração com vista a um mercado global e não quintais particulares que nos custam caro − agir-se-ia da mesma forma; se escolhida a exploração dos recursos marítimos, o mesmo se faria, mas sempre com a dimensão que se requer no mundo actual; e por aí fora.

Este planear em muito ajudaria a resolver a deficiente gestão dos parcos recursos do país, ao dar prioridade natural aos investimentos requeridos para se atingir os desígnios/rumos nacionais, nomeadamente no transformar algumas fraquezas nas forças requeridas.
Na administração pública minoravam-se os desperdícios decorrentes de uma governação mais baseada em indicadores genéricos (temos x% de kms de auto-estradas por habitante e a média europeia é …, temos y% de estudantes no ensino superior e a média é …). Os empresários saberiam onde investir. Os estudantes em que poderiam vir a servir o país e, portanto o que deveriam estudar. E por aí fora, evitando a actual dispersão de esforços.


3. Mobilizar a sociedade civil

Não ignoro as barreiras que se colocam ao atrevimento de meter ombros às tarefas anteriormente referidas. Elas adviriam principalmente dos interesses instalados, que são passado e que, naturalmente, se oporão ao que o futuro nos exige. E este facto agrava-se quando uma boa parte dos seus dirigentes − em partidos, no poder local, nas associações patronais, nos sindicatos, etc. − se eternizam no poder. Gentes que levaram o país à actual situação, mas incapazes de o reconhecer.

Não sendo a favor dos yuppies, a medicação exige contudo que se faça, em todo o país, uma profunda renovação de dirigentes, substituindo-os por gente jovem, não tão presa nas questões do passado nem tão envolvida nos interesses aí instalados. E que possuam as qualidades que entretanto fui referindo.

No que concerne aos partidos políticos, inversamente à opinião de Jorge Sampaio, vejo neles 90% de cidadãos mais interessados em si do que no país e 10% que terão o sentido de serviço público.

Não sendo a favor de populismos fáceis, acredito que uma forma de lidar com esta situação seria criar condições políticas para proporcionar a intervenção política efectiva de movimentos cívicos a criar, para além dos partidos e sem as suas gentes, no apoio às duas tarefas anteriormente referidas.
Porque Portugal não avançará com o ritmo necessário, se se continuar a ignorar o espólio nacional de competências e de boas vontades que tem andado arredado da política por não se rever na politiquice quotidiana das gentes nela instaladas.

[1] Na busca de uma “verdade mais ampla”, creio já estarmos no tempo em que modo de produção deveria ser substituído por tecnologia, entendida esta no seu amplo senso. Desta forma se abrangeria, por exemplo, o papel que a imprensa de Guttemberg teve no devir histórico, como meio de acelerar a transmissão de informação, de saberes.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

A EDUCAÇÃO DOS JOVENS PARA O FUTURO


Assisto quotidianamente, na imprensa, em seminários, em corredores e em reuniões a discussões sobre o tema, que me parecem construídas sobre o passado e não sobre o futuro. Cá, como na maioria dos países europeus. Ganharíamos vantagem se procurássemos educar os nossos jovens para os desafios do seu futuro, esquecendo uma boa parte das experiências passadas.

Sugiro de seguida alguns de tais desafios que por ora me ocorrem. Não serão novidade para alguns, mas importa divulgá-los e relembrá-los, para ir tecendo novas formas de encarar a referida educação.

A primeira é a de que os actuais jovens vão ver 150 anos ou mais! Quantas vezes irão mudar o seu percurso ao longo da sua vida? A questão que coloco não é assegurar a educação ao longo da vida. É antes a da preparação inicial para a vida activa, que terá de ser o suporte desta última.

A segunda é a de um avanço do conhecimento cada vez mais acelerado, obrigando a especializações cada vez maiores e, por consequência, à necessidade da integração de especialistas vários para resolver cada problema do mundo real. Ter-se-á de recorrer de forma crescente, indubitavelmente, a formas de comunicar mais potentes que o mero discurso. Também o trabalho de equipa, o networking e todas as formas de trabalho colaborativo assumirão importâncias crescentes. Outra implicação é a de que a aprendizagem inicial, para o ingresso na vida activa, será provavelmente mais demorada.

A terceira é a da constatação do crescente papel que outros veículos de comunicação, que não o verbo, desempenham já durante a infância e a adolescência. Trata-se de veículos de comunicação que proporcionam caudais de informação muito superiores ao permitido pelo discurso − seja oral, lido ou escrito − e portanto mais compatíveis e apetecíveis por cérebros ainda em formação.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

O NACIONAL DESENRASCANÇO

Aqui o estadista nasce, como nasce o poeta; precede a escola; dispensa-a até.

ALEXANDRE HERCULANO

Senhoras e Senhores: sou a abanar com o vosso sentado e cansado maldizer dos políticos e do país. Mais: se persistis em tal insensatez, sou mesmo a zurzir-vos e a desafiar-vos a levantarem os rabinhos das cadeiras e a meterem as mãos à obra por este país, para além de Governo e de partidos. Surpreendidos? Eu passo a explicar.

Até há algum tempo andava animado com o rumo das coisas: o António Guterres ia levando-nos alegremente à banca rota, condição que eu tinha então como sine qua non para que os portugueses acordassem para a necessidade de se responsabilizarem pelo seu futuro, em lugar de tudo atribuir aos sucessivos governos e satélites associados. Mas o homem foi embora antes de tempo e logo veio a Manuela Ferreira Leite a adiar estes meus planos. O Bagão Félix talvez tivesse a mesma opinião que eu, mas não teve tempo. Ressurgiram-me as esperanças quando o Campos e Cunha foi à vida, mas rapidamente me desiludi.

Aliás, mudei radicalmente de atitude e é por isso que aqui estou. O Sócrates e o Teixeira dos Santos ultrapassaram todas as minhas conjecturas. Urdiram um plano maquiavélico, o TGVOTA, que só nos vai levar à banca rota lá mais para diante. A ideia é criar os prometidos empregos pondo as pessoas a trabalhar em grandiosos projectos − na construção civil, para não terem custos adicionais com a sua formação, ao que penso −; projectos actualmente supérfluos para o país, mas úteis para alimentar interesses instalados e para ganharem as próximas eleições − mais empregos e mais financiamentos à campanha, sabe-se lá de onde −. Marotos! E isto tudo a pagar no futuro, por nós e pelos nossos filhos… A isto se chama um mega-desenrascanço!

E aqui estamos no ponto: o desenrascanço. Desenrascamos tudo a toda hora. Falta-nos Camões para o cantar, mas os políticos substituem-no com agrado. Aquela coisa de pensar o futuro com rigor, de planeá-lo e de mobilizar as pessoas para o construir é um trabalhão, um autêntico pesadelo. E esta coisa de planear obriga-nos a dizer e a comprometer com o que pretendemos fazer do futuro. E se falhamos? Já viram o que vão dizer de nós? Ou até como nos vamos sentir? Para quê correr riscos? Não! É mais avisado deixar as coisas correr e depois logo se vê. Tem sido sempre assim e sempre nos desenrascamos.

Outro dia, um amigo disse-me que as empresas que planeavam mais tinham mais sucesso. O ingénuo acredita neste tipo de loas. Não percebe que as coisas mudam cada vez mais depressa, tornando o comprometer-nos com o futuro num exercício inglório. Com este argumento me convenci, em definitivo, a mudar a minha atitude. De agora em diante vou aderir ao nacional desenrascanço. E começo por aplaudir o TGVOTA.

À cautela − a prudência sempre foi boa conselheira − vou tratar de me filiar nuns grupos de amigos e noutras panelas − uma forma bem portuguesa de enriquecer o conteúdo do networking −, para prevenir o dia de amanhã. Isto sim, é sólido planeamento.

Não vos consigo convencer da justeza da minha atitude? Persistis na vossa insensatez? Então só vos vejo um caminho honesto: acabai com a vossa participação em panelas e capelas; começai, em tudo, a planear com rigor, sem temor ao risco; levantai os rabinhos das cadeiras e, para além do governo e seus satélites, juntai esforços para definir rumos do país, para criar bases em que assente a acção para os perseguir, e para meter mãos à obra.

Já percebeis a minha razão em mudar de atitude? Não?! Pensai então nas resistências que defrontareis para fazer o que julgais ser o vosso dever. Pensai nas batalhas que ides travar, convosco e com os instalados do passado. Medi bem isso! E, se alguém vos disser que do conflito nasce a luz, que até precisamos de umas “rebeliões”, correi rápido com ele. É certamente uma pessoa de mau trato e de mau gosto.

E agora? Já estais dispostos a abdicar de domesticar o futuro? Bem me parecia. Começais a dar-me razão e a compreender que os vossos filhos lá se desenrascarão.

Não desistis?! Bom. O problema é vosso. Não vos levo a mal a insensatez. Até vos adianto uma sugestão para iniciardes os alicerces do vosso desvario: lançai um amplo abaixo-assinado e, porque não?, manifestações de rua, anti-TGVOTA, anti-desenrascanço. Se estiverdes certos, facilmente arranjareis umas centenas de milhares de assinaturas.

Mas não conteis comigo, que não gosto de fazer ondas. Vou-me entreter a reforçar o meu networking da tal forma bem portuguesa. Passai bem!

P.S. − E, se nas entrelinhas, deparardes com o Hofsted, é porque me convém; a vós mais convirá a Susan Schneider (Universidade de Geneva, Suiça).

sexta-feira, dezembro 09, 2005




















Máscaras

Maria Cerveira

TANTO DE MEU ESTADO ME ACHO INCERTO

Tanto de meu estado me acho incerto
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto.

E tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;
N’uma hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um’hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando;
Respondo que não sei, porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

LUÍS DE CAMÕES



Com calor
Tremo de frio
Tão depressa choro
Como rio

Tudo abarco
Nada aperto
Em terra
Voo

A alma
É-me fúria
Os olhos
São-me um rio

Espero
Desconfio
Desvario
Acerto

Mil anos
São uma hora
Mil anos
Sem hora alguma

Erro
Sem caminho
Sem saber
Erro

E se da causa
Cuidar
Erro só
Por te amar

quarta-feira, dezembro 07, 2005

O FEMININO DE SÍSIFO


Deu-me a Nilda o mote: retomar o mito de Sísifo. Ao pretender relê-lo, dei com Camus. Na sua bela peça, persegue o absurdo com que entende entender o mundo, desmonta-o e reconstrói um Sísifo afinal feliz. Maravilhado, ficam-me contudo umas quantas questões, mormente a do feminino, a do Yin, que ficou longe desse Sísifo, como fica, demasiadas vezes, de outros gregos antigos.

Dela me proponho tratar. Não em Sísifo, embora esses gregos não fossem decepados da feminilidade, mas porque me é mais fácil fazê-lo numa mulher. Não trato de procurar um contraponto, mas antes um complemento que convide à reflexão sobre o feminino em Sisifo.


Faço-o sem a inteligência, a erudição, a loquacidade e a elegância da escrita de Camus, obviamente. Só com atrevimento e com limitações que mais o reforçam. Paciência.

Tenho só uma vaga lembrança desta mulher a que recorro e que conheci na serra do Marvão. Lembro melhor os ditos que me deu sobre si. Ditos que não teriam sido só para mim, mas como tal os entendi e ora os uso.



Não lhe sei a história. Sei que, em cinquenta e quatro anos de vida, fora uma só vez a Lisboa, em excursão. Disse-mo. Sentira o ruído, o bulício, a turbulência. Angustiara-se com a pressa do tempo. Desde então ficara-se com o seu cimo de serra. Imagino que, ao menos nos dias de estio, descia a buscar a sombra de uma oliveira ou de um sobreiro.

Imagino-a nos afazeres diários, sempre o mesmo atrás do outro, de dia para dia, com pequenas inflexões ao ritmo das estações, que não dos anos. Sem atender à preocupação com o tempo que me toma este imaginar. Sem este misto de reverência e tristeza que me invadem quando o escrevo.

Não a sinto triste, nem desesperançada. Não lhe imagino paixões. Talvez em tempos idos alguma ou outra tivesse, mas diluíra-as na aceitação do tempo. O que agora chegava já antes tinha chegado, talvez com outra roupagem, mas sempre o mesmo.

Não. Não era certamente uma proletária dos deuses. Só tinha a companhia d’O que estava para além do horizonte e ao seu redor. E nunca lhe assomara uma verdade esmagadora que não a de que tudo estava bem em cada dia.

Chamava cada pedra da calçada pelo seu nome. Disse-mo.

O seu rochedo desfizera-se em pedras, as pedras subiram encosta acima no dorso de um camião, um cantoneiro ajeitara-as numa calçada frente à sua porta e ela foi-as baptizando, foi-as conhecendo, foi-as chamando. A Maria, com certeza, a Conceição, a Inês, a Isabel, a Fernanda, a Elisa, a Vanessa, sei lá. Preencheu o seu mundo para lá da esperança.

Imagino-a a amanhecer, a amanhar-se, a assomar à ombreira, a olhar o tempo plasmado na planície sem fim.

Imagino-a simplesmente fazendo e sendo. Numa morte que não é feliz nem deixa de o ser.

E sinto-me consumir por um absurdo que está em mim e não nela.

E ela, Nilda, não precisava de despertador.
A BOA GOVERNAÇÃO E OS INDICADORES

O Passado!...
Bem o vemos andar, pavonear-se entre nós, nos
vestidos ilusórios da triste morte, arremendando
a vida…
ANTERO DE QUENTAL


Cada dia tropeçamos em números, rácios, sobre isto e sobre aquilo, que nos comparam com outros países, normalmente para evidenciar aquilo em que estamos pior do que os outros. É a produtividade no sector A e no sector B, é o número de diplomados, de juízes, de médicos, … por 1.000 habitantes, e por aí fora.
E com tristeza constato os governantes os tomarem como bússolas únicas da sua função.

A serventia de tais indicadores é permitir o comparar. Em organismos internacionais de coordenação, como os orgãos centrais da União Europeia, são utilizados recorrentemente para ajuizar das diferenças entre os vários estados.
As empresas recorrem a indicadores similares para se compararem com os concorrentes – diz-se que fazem o benchmarking –. Mas não permitem que eles substituam o delinear da sua orientação global − da sua missão e dos seus grandes objectivos −.

Mas na governação de um país pequeno e com poucos recursos, o seu emprego sistemático esconde a falta de orientação, leva a enormes desperdícios de energias e de recursos.
Governar é, sobretudo, orientar, optar por fins e rumos para os prosseguir, para dessa forma se alocarem mais eficazmente os sempre escassos recursos e energias.

Há uns dois anos, assisti à divulgação de medidas de formação para as gentes de um pequeno município. Foi no seu teatro municipal. A formação estava toda pensada e até já havia financiamentos. Quando perguntei formação em quê, com que destino, em que faria progredir o concelho, o presidente da câmara, que ainda o é, explicou-me que a formação visava recuperar atrasos que os indicadores evidenciavam, e que até já estavam a fazer um plano estratégico para o concelho…
Ou seja, primeiro gastava-se dinheiro em formação avulsa e depois se cuidaria de saber qual o futuro do concelho, de quais as actividades a nele fomentar!

Mas é precisamente isto o que os nossos sucessivos governantes vêm fazendo. Governam para nos aproximar da “média” neste e naquele indicador, sem cuidar de se interrogarem onde é importante superar a média e onde estar abaixo da média não apresenta qualquer inconveniente. Porque tal depende dos fins a atingir e dos rumos escolhidos para o fazer. Se, por exemplo, se elege como um dos fins do país o explorar os recursos do mar, que importa que num indicador relativo ao investimento em investigação e desenvolvimento estejamos abaixo da média, se no indicador do investimento em investigação e desenvolvimento em recursos marinhos estivermos bem acima?

E há que notar que os indicadores nos revelam o passado e, quando muito, a situação actual. Ora um mundo em mudança, o governante empreendedor sabe que o futuro é que condiciona o agir no presente; por isso ele perscruta no futuro oportunidades e ameaças que se colocam ao seu país; depois, estima as competências do país, face às dos outros países − e aqui, os indicadores podem ajudar um pouco − ; e, finalmente, com base nessa análise, traça fins e rumos para os prosseguir. Pode acontecer que, para certos fins/rumos interessantes, se torne necessário reforçar competências do país e aí há que investir em fazê-lo.

Este proceder, ao aceitar que o agir no presente seja mais comandado pelo futuro do que pelo passado, acarreta normalmente profundas mudanças; roturas com interesses, hábitos e costumes que estão instituídos. Há então que revelar uma faceta do político: o saber preparar a mudança, o saber preparar pessoas e instituições para um agir diferente do que foi até hoje.

Mas sendo a mudança demasiada, se não houver o distanciamento bastante a delinear os fins, o governante corre o risco de constantemente ter de rever fins e rumos, ou seja, a perder o rumo… O político tem por isso de ser visionário, de ser capaz de delinear os fins distanciado do presente, dos interesses instalados, das paixões, para que aqueles possam perdurar por um período de tempo apreciável (dez, vinte anos?). E, ao traçá-los, deve reunir vastos consensos e, sempre, a adesão do principal partido da oposição; esta é uma condição sine qua non para garantir a necessária mobilização de esforços para a posterior acção.

Mobilizam-se desta forma energias e vontades, canalizam-se os recursos para o essencial, ou seja, para o efectivo aproveitamento das oportunidades que se oferecem ao país e para o evitar de ameaças que se lhe coloquem, minoram-se desperdícios.

Governar exclusivamente por indicadores significa, em última análise, admitir que o futuro constitui uma mera projecção do passado, posição insustentável em tempos de acentuada mudança. E torna também mais difícil conter as pressões dos interesses instalados que, como tal, radicam normalmente no passado.

O que proponho nada tem de novo para os homens das empresas. Mas a sua aplicação à governação de estados exige políticos visionários, fortes, determinados e com capacidades de diálogo e de persuasão.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

A ESQUERDA

Cada vez sinto mais o falso da minha posição nesta terra
lusitana. Não me entendo com homens e cousas: só com
o céu e os montes; mas isso não é bastante.

ANTERO DE QUENTAL


Na sequência de algumas afirmações sobre o que António Negri entende ser o papel da esquerda (v. entrevista publicada recentemente no Público), sou a tecer algumas considerações sobre o tema e a propor uma abordagem diversa.

Afirma António Negri: “Eu acredito que sou de esquerda, mas não sei se aqueles que se autodenominam partidos de esquerda são de esquerda. Há um problema de lógica. Eu sou de esquerda, sou contra a guerra, sou a favor dos pobres, sou a favor das mulheres e de todos os excluídos da sociedade. Sou, sobretudo, a favor de um projecto político económico que seja profundamente igualitário. Isso significa ser-se de esquerda...”.

Ser contra a guerra, a favor dos pobres, a favor das mulheres e de todos os excluídos da sociedade, ou a favor da despenalização do aborto, ou do casamento dos homossexuais, nada tem a ver com esquerda ou direita. Conheço gente de direita que defende e apoia activamente estes quereres. A sua apropriação por pensadores e dirigentes partidários de esquerda, pode ser fácil, mas não é rigorosa; contribui para os desviar do pensar as tarefas da esquerda; e é um mau exercício para se erguer uma construção sólida. Parta-se, pois, do princípio que aqueles quereres são utopia de gentes da esquerda e de gentes da direita.

Na tradição do pensamento europeu, a esquerda funda-se no perseguir da utopia através duma orientação controlável pelo homem. Daí António Negri dizer ser “a favor de um projecto político económico que seja profundamente igualitário”. A questão chave é, assim, o como construir esse projecto, como construir uma orientação controlável, um plano, para além da falhada planificação centralizada da europa leste.

Uma tal orientação tem de atender à mudança que consome o mundo. A mudança tecnológica, a globalização que já não se resume à acção das multinacionais (vide, por exemplo, o fenómeno das migrações, na mesma entrevista), o alastrar do conhecimento dos cidadãos a velocidades nunca sonhadas, etc. Hoje, uma orientação controlável, um plano, não se funda no passado, porque o futuro já não é uma sua mera projecção. Hoje, em cada dia, é-se surpreendido com novas roturas relativamente ao que se passava. Nesta medida, o futuro deve orientar também as nossas acções de hoje e, portanto, o gizar de orientações.

Para o fazer, há que antecipar as oportunidades e os escolhos que futuramente se apresentarão e há que analisar a situação actual − que proceder à auto-estima, ao averiguar do que se tem de bom e de menos bom −. Só então se está capacitado para delinear fins, e caminhos para os perseguir. Fins e caminhos que aproveitem as oportunidades e evitem os escolhos futuros. Fins e caminhos que assentem no que se sabe fazer bem. E normalmente descobrir-se-á haver coisas que não se sabe fazer bem e são necessárias; aí, há que investir no aprender a fazê-las melhor.
Ao gizar os caminhos, há que ter a consciência de que estes implicarão mudança e que as gentes são a ela avessas; por isso, os caminhos têm de levar em conta a necessária preparação para que os indivíduos se predisponham a aceitá-la.
E o grau de mudança é tal que é preciso estar atento e preparado: fins e caminhos adoptados têm de ser constantemente adequados às novas realidades que em cada dia se adivinhem.

Este é o planeamento possível nos nossos dias. Insistir em continuar a traçar caminhos que são projecções do passado, num mundo em acelerada mudança, é desperdiçar a confiança e alienar a esperança.

A discussão sobre o liberalismo é bem exemplificativa. Um mundo em mudança acelerada exige que a sociedade seja capaz de rapidamente se adaptar a essas mudanças. O liberalismo propõe o darwinismo, o evolucionismo. como o processo adequado para o fazer, ou seja, de forma simplista, o mercado dita quem deve sobreviver, havendo que garantir fácil acesso ao empreendorismo de novas ideias/saberes e que garantir fácil enterro aos inadaptados. Que lhe contrapõe a esquerda? A resposta mais fácil, e populista!, impera: a manutenção dos inadaptados à sombra do Estado, delapidando-se recursos necessários à construção do futuro. Porque não construir orientações baseadas na metodologia que acima se propõe, antes indo a reboque do liberalismo, para depois se propor o disparate? Mas, se nada de sólido tiver a contrapor à proposta liberal, o que propõe a esquerda para orientar e, porque não?, acelerar o caminho, de forma controlável, em direcção à utopia?

Em qualquer dos casos, a esquerda teria a oportunidade de se afirmar em questões que sempre lhe mereceram carinho e para tratar as quais conta com um vasto espólio: com a questão da estruturação social e com a questão da democracia real.

No que se refere à primeira destas questões, por exemplo, um sem número de interrogações se levantam. Se os nossos filhos vão viver até aos 150 anos (ou mais?) como ir repensando a segurança social em moldes adequados? Não só financeiramente, mas também em carinho, que as mulheres e os homens não são uma qualquer mercadoria.
Falta a família que cuidava dos seus, e na qual o Estado assentava. Pálido fantasma do que foi, é erro grosseiro pretender nela continuar a assentar Estados. Não poderia aqui a esquerda retomar a sua tradição progressista, propondo formas alternativas e adequadas de organizar as sociedades do futuro? Porque não pensar, por exemplo, a criação de comunidades abertas, que fossem as células base do Estado, que cuidassem dos seus, com custos mais baixos e com relações de maior proximidade? Ao fazê-lo, não se deveria desde logo abarcar a questão das comunidades de migrantes?

Estes exemplos/interrogações finais são um mero arremedo, a necessitar de muito mais pensar, imaginação e rigor.
O que me traz é o desafio aos que dizem ser de esquerda e que, por isso mesmo, deviam querer fundá-la em rocha sólida.
PROJECTOS DE VIDA

No passado dia 30 de Novembro, Carlos Mota Cardoso presenteou-nos, entre outras, com algumas reflexões sobre a interiorização dos acidentes do viver como causa das angústias e propôs a adopção de um projecto de vida como panaceia. A questão que se coloca é a de como projectar a vida, em tempos de mudança acelerada e em que a idade média de vida que se preconiza para os meus alunos é de 150 anos.

Proponho uma achega à dificuldade: acrescentar um s − não projecto de vida, mas antes projectos de vida −. Desde os anos de 1960 que se reconhece ter deixado o futuro de ser uma mera projecção do passado. Em cada dia ele surge-nos como uma constante surpresa, como uma soma de roturas face ao passado. Um projecto de vida, que é um plano, não pode assim privilegiar o nosso anterior percurso como fonte de inspiração; hoje, um plano de base sólida atenta ao que o futuro tem para nos oferecer, de bom e de mau.

E é neste sondar das oportunidades e dos escolhos que antevemos, e nas forças e nas debilidades da nossa situação actual, que devemos procurar fins, e depois caminhos para os perseguir. E assim construiríamos o nosso projecto de vida, não fora que as circunstâncias mudem tão rapidamente, continuadamente minando os alicerces dessa construção. Resta-nos então o contínuo refazer do projecto inicial, ou seja, o contínuo elaborar de projectos de vida.

Mas aqui, repõe-se a questão da eventual angústia daí advinda. E a única resposta que encontro é a de sermos suficientemente sábios no perscrutar do futuro, esforçando-nos por nos alijar das nossas miudezas quotidianas e passadas, por forma a descortinar para o futuro tendências menos transitórias, menos de curto prazo, por assim dizer, que assegurem uma maior estabilidade ao projecto de vida a gizar. Sem nunca abdicar da nossa capacidade em o moldar no futuro. De toda a forma, este exercício transporta-nos a uns, para os braços da metafísica, e a outros, para os da religião. Ou não?

sexta-feira, novembro 25, 2005

PELA MÃO DO MANEL


Nos meus tempos de estudante, o Manel desembocava
no café Piolho, de enorme despertador numa mão e não
sei quê na outra − tomates? livros? uma cenoura? −, e
com um sorriso jovial e trocista na cara imberbe e boa.
Anos depois telefonou-me. Queria compor um artigo para
o JN. Percebeu o que lhe expliquei sobre o que era “cálculo
automático” e sobre o que era “computação”. Mas não se
coibiu de trocar as coisas no artigo publicado, onde o meu
trabalho se cingia ao “cálculo automático”... Disseram-me
depois que foi para Bruxelas.
Há uns anos atrás descobri que estava a alienar uma boa

parte da minha vida ao despertador. Escaquei-o.
E nunca mais o Manel me largou.


O despertador desembaraçou-se da mão que o pendurava e aterrou com ruído metálico na mesinha onde estava o licor. Surpreendida, olhou a mão, o braço, até aos olhos azuis enfeitados por um rosto moreno.

− Desculpe-me o desabrido. Neste dia triste deste Fevereiro molhado, neste bar triste deste hotel triste, neste Gerês em que nada parece acontecer, corria risco de vida. Ao vê-la acreditei que o podia evitar, que alguma coisa pudesse acontecer. Posso tomar um café na sua companhia? Sou o João.

Dito de enfiada, uma mão estendida na pergunta.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

O sorriso brotou-lhe triste e depressivo como o dia, as mãos abraçaram-se. E, num repelão, numa indecisão feita força:

− Sou a Leonor. Faça o favor.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

O azul dos olhos indagou a sala, parou um pouco na janela e passeou na loura vistosa envolta em amarelo na mesa do lado. Dedos finos a ajustar as calças no dobrar dos joelhos. Sentado, pede um café.

− Psiquiatrio. Vim a fazer uma comunicação no congresso, aplaudida e a esquecer. É colega?

− Sou profissional de vendas. Estou de passagem. Em trabalho. Faço horas…

− Fazer horas!… Prefiro vivê-las. Mas cá em cima há mais tempo. Porque faz ainda mais?

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

Sorriso bonito chamado a brincar:

− É por haver mais tempo que tenho ainda mais… Queria dizer que o prefere viver ou que o prefere ocupar?

− Tem razão. Não gosto de estar só com o tempo muito tempo. Só um pouco de cada vez. Prefiro ocupá-lo. Prefiro viver lá em baixo, acorrentado ao passado, arrastado pelo futuro.

− É. Lá em baixo mergulhamos no tempo, o futuro fustiga-nos o passado. Aqui no cimo é diferente. Há mais horizonte. Vê-se o tempo mais ao longe, para a frente e para trás. Acontecem menos coisas, podemos afagar o tempo e ao mesmo tempo ficar assustados com ele.

Voz rouca, sensual, trocista, da mesa ao lado:

− Desculpem. Não estão incomodados com esse horrível tic-tac, com esse tempo empacotado?

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

− Peço desculpa. Não queria incomodar, menina…?

− Ana!

− Sabe, Ana, este meu companheiro baixa-me à realidade quando necessário. Tem outra perspectiva sobre o tempo. Não cuida dos dilemas em que eu e a Leonor nos entretinhamos.

− Oh! Estava a ouvir o que diziam. Por mim, não penso em ocupar o tempo. Prefiro entreter-me com outras coisas.

O vestido amarelo subiu nas pernas redondas cruzadas e rosadas.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

Os olhos azuis cresceram. Leonor acabou rapidamente o licor.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

O despertador, abandonado na companhia do que foram o licor e o café, estava só. Tocou ruidosamente. Surpreendido, o barman apressou-se a desligá-lo.

E o despertador, Manel, teve destino incerto.

quarta-feira, novembro 16, 2005

SEM INSPIRAÇÃO

Conspiro contra os que buscam no equilíbrio a salvação
E nas lojas mercandeiam as suas pedras angulares.
Conspiro contra os obreiros da obra que labutam pela obra
Esquecendo o caminho na voragem do fim.
Conspiro contra os que ocultam as suas verdades ocultas
Menosprezando os que pretendem iluminar.
Conspiro contra os defensores do social do passado
Agrilhoados a um pai que só queria a mudar.
Conspiro contra os que defendem a liberdade de cada um
E a transformam num casulo do coração.
Conspiro contra os que vendem o deus barbudo e ciumento
Afastados dos homens e longe d’O que é tudo.
Conspiro contra os escrevinhadores de voo fácil
Alheios ao prejuízo das consciências que moldam.
Conspiro contra os que buscam o saber das especialidades
Sem cuidar da rede que entretece a realidade.
Conspiro contra os que governam ao sabor do passado
Ignorando o futuro do todo e a chanheza das gentes.
Conspiro contra os homens que receosos não crescem
Buscando fora de si o alimento do corpo e da alma.

Conspiro contra o universo que expira para logo inspirar
Alheio da infinidade dos outros universos que respiram.

Conspiro contra todos os que amo
E se divertem meigamente com as minhas conspirações.

Eu não quero expirar só
Quero também inspirar.

sexta-feira, novembro 11, 2005

PALAVRAS

Amanheço palavras
Amanho-as
Para além da razão
Cresço-as no coração
E vão
Ser com alguém
Ou não

Vão
E despedaçam-nas
Embrulham-nas
Alguns
Ficam com elas
No coração
E fazem-nas razão
Ou não

sexta-feira, novembro 04, 2005

SOBRINHO SIMÕES E JUDITE SOUSA


Não fora Sobrinho Simões um português emérito, com excelente obra feita e uma simpatia transbordante, e não fora Judite de Sousa justamente tida como uma boa entrevistadora, não estaria eu aqui a “desancá-los”. É que uma mensagem incorrecta passada por tal gente tem obviamente efeitos mais perniciosos que se fossem outros de menor estatura a dizê-lo.

Ontem, na RTP1, pela segunda vez, (ou)vi uma conversa entre ambos. Uma Judite de Sousa embevecida, deslumbrada, irreconhecível. Um Sobrinho Simões na senda do aprofundar a necessidade de pensamento positivo, mas ontem, porque indevidamente utilizado, um pensamento positivo postiço. No seu discurso, todos eram excelentes, todos eram os maiores, tudo é uma maravilha, as gentes portuguesas é que se subvalorizam. Não foi certamente a intenção, mas foi a mensagem que passou.

Este discurso das gentes que se menosprezam, iniciado e oficializado por Jorge Sampaio, foge ao rigor e prejudica a construção de um futuro para Portugal. A construção do futuro, quer seja o de uma empresa, quer seja o pessoal, quer seja o de um país, tem de assentar em bases sólidas, ou seja naquilo que se sabe fazer tão bem ou melhor que os outros; se as competências encontradas não bastarem para o fazer, há que trabalhar para adquirir as que falham. Daí a necessidade de se proceder da comparação com os outros, com o maior dos rigores, repito, com o maior dos rigores, não se vá construir o castelo sobre areia.

É inadequado o discurso de considerar a reduzida auto estima do povo português como o escolho. A auto estima é o estimar daquilo em que se é melhor e daquilo em que se é pior que os outros. Confundi-la com sentimentos é um erro grave: pode levar à tentação de accionar mecanismos de compensação perante fraquezas detectadas, ocultando-as, ilusoriamente transformando a areia em betão, para de seguida aí se construir o castelo.

Outra coisa é esse sentimento de derrota antecipada perante numerosas fraquezas, sensação de impotência para enfrentar o futuro. E num povo, cujo homem nunca se assumiu, “nunca cortou o cordão umbilical”, como dizia Sena, e que por isso entrega em demasia o seu futuro às classes dirigentes, aquela sensação de impotência amplia-se e mais o paralisa.

Admitindo ser esta a situação portuguesa a remediar, ela deve ser combatida utilizando com firmeza e rigor a auto estima, na acepção acima defendida, como ponto de partida. Ou seja, deve-se clara e rigorosamente determinar e propagandear as fraquezas e forças portuguesas que importam para construir o futuro, o que é necessário fazer para realmente transformar a areia em betão e como deve cada português contribuir. O alento deve ser procurado na direcção, na orientação para o que se deve construir.

Outra concepção de auto estima pode ser aparentemente politicamente correcta em termos da cultura actual portuguesa, mas só contribui para o postiço e para uma agonia não desejada.

quinta-feira, novembro 03, 2005

CADA POVO TEM A IMPRENSA QUE MERECE

Leio Pacheco Pereira no Público de hoje. E li este, e li aquele, e vi e ouvi aqueloutro. Pobres, somos agora consumidos pela próxima eleição presidencial. Eleição onde o passado continuará a ocupar o lugar do futuro, sem apelo nem agravo.

Sopro que resta ao país, Sócrates, para lá de “erros” cometidos (à sombra de compromissos passados?), parece mexer realmente. Daí a importância que seria centrar sistematicamente a opinião pública na sua acção. Apoiando, criticando, certamente, mas sobretudo sugerindo, criando novas realidades.

sábado, outubro 29, 2005

SUBIDA

Sobe-se à montanha
Respira-se largueza
Abarca-se o tempo ao longe.
Para subir mais
Alijam-se as miudezas.
E o que chega ao cimo
Respira o infinito e nele dissolve o tempo.

segunda-feira, outubro 24, 2005

CANÇÕES

Amanhecem canções
Que ecoam nas noites
Amanhecem canções
Que a noite faz esquecer
Amanhecem canções sem ocaso.

E há sempre gente a amanhecer canções.

C. Marques Pinto

sexta-feira, outubro 21, 2005


















Junto aos Clérigos
Maria Cerveira
SISA E FIM DE MANDATO PRESIDENCIAL


Senhor Presidente da República



Excelência:


Sou a sugerir-lhe uma atitude de reparo a milhões de portugueses, neste fim do seu mandato. Reparo que não encontra raiz no proceder de V. Ex.ª, antes ancora no pré 25 de Abril e em muitos dos seus seguidores.

Refiro-me à mancha que impende sobre aqueles que se furtaram ao pagamento da defunta SISA. Tratava-se de um imposto que o tempo e as práticas fiscais tornaram cada vez mais injusto. O opróbrio recai sobre muitos que então prevaricaram, sob pena de não comprarem a habitação almejada.

O grande lucro com o estado de coisas não era tanto desses portugueses quanto o dos construtores, por via da fuga ao IRC. A grande perda foi a do país que, pela inépcia de sucessivos responsáveis, permitiu que assim se prolongasse no tempo a elevada improdutividade de um dos seus maiores sectores de actividade, só possível pelas margens de lucro especulativas associadas. Estado de coisas que transbordou para a cultura nacional, contribuindo para grande parte das deficiências que lhe reconhecemos.

Recordo o que de lamentável se passou, a propósito, com o Dr. António Vitorino e interrogo-me sobre se tal estigma o continuou a afastar de contribuir para outras responsabilidades nacionais.

De alguma forma poderá V. Ex.ª contribuir certamente para como que amnistiar estes milhões de portugueses, o que constituiria um acto de justiça e de boa lembrança das suas presidências.

Bem haja.

sexta-feira, outubro 14, 2005

COMENTADORES E RESULTADOS DAS AUTÁRQUICAS

Pacheco Pereira sustenta que os resultados menos bons do PS se deveram menos às medidas de austeridade socratianas do que aos desmandos de má gestão de Sócrates: insistência no projecto da OTA - onde é voz corrente que altos dignatários do PS e PSD têm vindo a comprar terrenos a bom ritmo -, nomação de Fernando Gomes para a Galp, substituição da boa gestão que se fazia na CGD incluindo Armando Vara na nova equipa, insistir em férias com o país a arder, etc.).

Miguel Sousa Tavares parece atribuir os resultados menos bons a uma deficiente gestão estratégica e táctica por parte dos respectivos responsáveis do PS.

Vasco Pulido Valente sustenta que a grande razão é o "apertar do cinto", à semelhança do que se passa na França e na Alemanha.

Como sempre, terão todos um pouco de razão. Contudo, parece-me interessante recorrer ao conhecimento comprovado na área da gestão, como contributo para que o leitor possa analisar por si cada uma destas posições.

Em gestão é habitual considerar que existem dois tipos de mudanças. Umas, referidas por mudanças transaccionais, referem-se às mudanças do dia a dia, inerentes à gestão corrente, onde não ocorrem grandes sobressaltos. Para lidar com estas, bastam os líderes nomeados para o efeito, que tenham algum poder de premiar e de punir e, eventualmente, informação privilegiada.

Mas quando há que encetar reformas profundas, que são ditas transformacionais, é requerido o empenho dos subordinados, sem o que elas dificilmente vão avante. Ora os estudos comprovam que tal empenho decorre da existência de líderes com poder carismático e/ou poder resultante de uma comprovada experiência anterior.

Por outro lado, os estudos evidenciam que os actos dos líderes têm mais impacto que o que eles dizem. Assim, se o patrão faz um grande discurso sobre a necessidade de os seus colaboradores se preocuparem com o futuro da empresa - ao nível da modernização, do lançamento de novos produtos, etc. - mas se, no dia a dia estes constatam que ele passa 90% do tempo a ver o que se pode cobrar, como se há-de pagar isto e aquilo e por aí fora, aquilo a que os colaboradores vão dar importância é à facturação, aos custos e à cobrança, esquecendo o futuro; ou seja, não lhes interessa o que ele disse, mas sim ao que ele faz.

Posto isto coloco uma questão. O que tem mais impacto sobre povo português: o que o Sr. Sócrates e outros dirigentes dizem sobre a necessidade da austeridade, ou a adopção sistemática de atitudes e actos de má gestão? Disto tudo conclua o leitor o que bem entender.
O HOMEM QUE NÃO SOBE À MONTANHA É UM HOMEM PEQUENO

Falava com um candidato de uma lista das recentes eleições autárquicas sobre os seus resultados. A conversa com aquele aquele jovem honesto, inteligente e trabalhador enrodilhou-se nas miudezas do costume, apartando-se do rumo. Que ganhou por 30 votos, que a cara do candidato é que contou, etc, etc.

No meu respeito pelo interlocutor lembrei-lhe a necessidade de se desligar, de se altear, de ver o conjunto e de ver mais além. Em suma, de subir à montanha. Lá do alto, os homens cá em baixo são pequeninos e os seus problemas miudos.

A questão não é só a da árvore que distrai da floresta. É também a do espaço que se alcança e se respira e a do tempo que escorre lentamente ou não escorre de todo. Então, é mais fácil ver e estar com a luz.

E Moisés foi buscar as Tábuas da Lei à montanha.

quarta-feira, outubro 12, 2005

À ATENÇÃO DE RUI RIO: “PORTO COSMPOLITA”

De há uns anos a esta parte tenho vindo a defender o turismo residencial como um dos grandes objectivos estratégicos do país, dadas as vantagens competitivas e sustentáveis existentes. Outros grandes objectivos existem, como seja a exploração adequada dos recursos marítimos e dos recursos florestais, ambos tão mal tratados pela curteza de vistas, mesquinhez e incompetência das classes dirigentes (note-se que esta engloba não são só políticos, mas também representantes do patronato e dos trabalhadores, também eles eternizados e/ou entronizados, grande parte das vezes, nas suas torres de marfim, etc.); mas com eles já muitos despendem o seu tempo.

Já algures apresentei as razões da grande mais valia para o país em massificar o turismo residencial para cidadãos seniores de países europeus. Fui criticado por pretender que se transformasse o país numa nova Florida; fê-lo, indirectamente, um ex-secretário de estado do turismo, possivelmente enleado nas teias de interesses dos lobbies turísticos existentes. Finalmente, nas últimas legislativas, um jornalista do Expresso coloca directamente a questão a António Borges, que se pronuncia a favor deste tipo de turismo. Insisti na ideia em intervenções no blog que entretanto criei − http://aalmanaoepequena.blogspot.com/ − e junto dos gabinetes de Manuel Pinho e de José Sócrates. Vem agora a lume a notícia de que o responsável pelo conselho das cem maiores empresas latinas considera o lançamento do turismo como uma das activdades fulcrais para o desenvolvimento do país.

Constou-me entretanto que o Governo se prepararia para mandar fazer um estudo sobre o tema, que poria a concurso internacional. A ideia seria saber quanto se obteria por cada euro investido no turismo residencial. Ora tal estudo não se justifica, já que qualquer cidadão minimamente habilitado, depois de lhe explicarem do que se trata, com uma meia dúzia de contas constata que se trata de uma actividade altamente rentável. Qual então o objectivo do estudo? Convencer-nos que mais vale gastar dinheiro na OTA? Deixo as especulações a quem me lê.

Introduzida a questão, sou agora a avançar um pouco numa possível forma da sua concretização para lá do Governo, no receio de que com este nada se fará tão cedo. Na realidade trata-se de um projecto, como já referi algures, que pode mobilizar todo o país. Assim sendo, porque não pegarem nele as autarquias?

Ora acontece que a cidade do Porto tem condições ímpares para tirar partido do turismo residencial sénior; sobre o assunto ocorreram-me duas ou três ideias que poderiam simultaneamente enriquecer o Porto e projectá-lo como capital do Norte da Península. Aqui as deixo.

A zona ribeirinha, que se estende desde as Fontaínhas, cerca S. Bento e vai até Massarelos tem de ser reconstruída, o que custará milhares de milhões de euros e levanta dificuldades como seja a do seu repovoamento. Então, porque não expropriar toda essa zona, respeitando os interesses de todos os envolvidos, para seguidamente a dividir em grandes bairros e negociar a reconstrução e exploração de cada um junto de imobiliárias de países escolhidos?

Concretizando: o bairro X seria negociado com uma mobiliária alemã que o reconstruiria no respeito pela sua traça e por outras nossas normas, mas de forma a adequá-lo ao que um casal sénior alemão da classe média espera encontrar no seu lar. Criaria também zonas comuns destinadas a lazer e encontro desses cidadãos, mas abertos ao público em geral. Uma vez feita a reconstrução, a comercialização do seu usufruto e a exploração das diversas zonas comuns ficariam a cargo dessa imobiliária; o seu mercado alvo seria o dos cidadãos seniores alemães. O bairro Y seria negociado com uma empresa imobiliária inglesa em condições similares; o Z a uma escandinava, etc, visando os países frios da Europa com um nível de vida compatível.
Refiro a venda do usufruto, e não da raiz do bem, como meio de embaratecer o custo da habitação, o que permite alargar o mercado alvo, obviamente. E tem também outras vantagens.

O que aconteceria? Em meia dúzia de anos o Porto ficaria com um bairro alemão, um bairro inglês, um bairro escandinavo, etc, cada um com os seus costumes, com as suas formas de lazer. Tal procedimento potenciaria em muito a comercialização das habitações, já que se ofereceria, para além do clima ameno, da proximidade ao país de origem, da localização privilegiada relativamente ao Douro, da nossa gastronomia − ainda que tão mal tratada nos tempos que correm −, etc., já que se ofereceria, dizia, a possibilidade de um inglês ir a uma cervejaria alemã e um alemão ir a um pub inglês (, e nós a ambos…). Tal projecto potenciaria também o turismo não residencial, não só o dos filhos e familiares desses seniores, mas também o dos nossos vizinhos espanhóis atraídos certamente por esse cosmopolitismo.

Muito mais poderia dizer sobre as vantagens de levar avante tal projecto. Não desconheço algumas dificuldades na sua concretização, mas não as enumero, porque entendo dever deixar tal tarefa aos numerosos especialistas em encontrar dificuldades e defeitos que, infelizmente, por aí pululam

terça-feira, outubro 04, 2005

FELGUEIRAS & C.ª E OS COMENTADORES POLÍTICOS

Fui assistindo, no Público, semana após semana, à desilusão que o povo criava em Miguel Sousa Tavares. Não pediu para que se substituísse o povo, mas pouco faltou. A grande maioria dos comentadores acompanhou-o.

Não me perplexifiquei! Antes me pergunto como é possível culpar o povo de votar em pessoas de que gosta e lhe estão próximas, apesar das suspeitas de que não são gente séria, se esse povo foi preparado ao longo dos anos para o fazer? Poderia escrever um livro sobre o laborioso trabalho das elites governantes no pós 25 de Abril feito nesse sentido. E também há, para além de tal esforço, outras razões. Como prefiro ser preguiçoso, dou só uma dica relativamente a cada uma destas vertentes.

Há evidência científica (quem não sabe o que isto é, que se informe!) de os actos dos chefes - das elites, no caso vertente - terem um forte valor simbólico para os subordinados - o povo, no caso vertente -. Assim, o seu comportamento dá as orientações sobre o que estes devem fazer. Em caso de tais actos contrariarem o respectivo discurso verbal, verifica-se que é a mensagem implícita nos actos que tende a prevalecer sobre o discurso. Por exemplo, quando Sócrates nomeia Armando Vara para a CGD, dá sinal de que continuará a não existir o rigor necessário na gestão da coisa pública - coisa que já sabíamos pela insistência sobre a construção do aeroporto da OTA e outros, aliás -, por mais que verbalize que o Governo é em tudo rigoroso.

Mas há também as questões que decorrem do edifício legal em sociedades em mudança acelerada. É que nestas sociedades, em que surgem constantemente situações não previstas, é difícil manter actualizado um edifício legal, com as consequências daí decorrentes. Se juntarmos a este facto o edifício legal existente no 25 de Abril, as políticas de inverdade desde então praticadas pelas elites e a impreparação (e também, muitas vezes, a malandrice) de quem faz as leis, o quadro agrava-se. Um exemplo: o ter-se mantido a SISA em 10% mais de vinte anos após o 25 de Abril, servindo objectivamente os interesses dos lobbies da construção civil (fuga ao IRC), tornou mais de 90% (só?) dos portugueses em infractores fiscais.
TURISMO RESIDENCIAL PARA SENIORES

Entre as dez medidas propostas pelo conselho das cem maiores empresas latinas ao nosso Governo, para nos tirar do "buraco", figura o turismo residencial para seniores. Interrogo-me há anos (!) porque não percebem os nossos governantes isto. Não revelo as respostas pouco abonatórias que me ocorrem. Contudo, suspeito que os lobbies turísticos do que entendo ser já passado, não serão alheios (também!).

Entretanto, penso que o futuro presidente da Câmara do Porto (Rui Rio?), deveria, para reconstruir o centro do Porto, expropriar quarteirões inteiros de toda aquela zona que se estende da Batalha ao Palácio, e entregar um "naco" a uma imobiliária alemã, para, respeitando a traça, criar um bairro alemão; outro "naco" iria para uma imobiliária inglesa; outro para uma espanhola; etc. Tudo para seniores e seus negócios. Seria muito giro para quem cá vive, e para eles, poder, em poucos minutos, mudar de “ambiente”, não? E fomentava o turismo não residencial, obviamente…

terça-feira, agosto 30, 2005

JOÃO CRAVINHO E O BETÃO/ASFALTO

O Público cita os seguintes dizeres de João Cravinho, no Diário de Notícias de ontem:

- "Quando discutimos a Ota e o TGV, é preciso ter consciência de que estamos hoje a decidir muito do que Portugal poderá ser ou não lá por volta de 2030 ou 2040." e

- "Se continuarmos sujeitos à miopia e à ausência de sentido estratégico que hoje estão em moda na comunicação social, Portugal não terá infra-estruturas de alta qualidade nem massa crítica metropolitana capaz de evitar a sua transformação num apêndice das bases logísticas de Espanha."

João Cravinho parece assim supor que a maioria dos que contestam as referidas obras, não têm visão estratégica. Mas, em termos de rigor estratégico, as bases logísticas portuguesas deviam ser pensadas em função da sua utilidade, ou seja, do que queremos ser e fazer como país; e, só então, deveriam ser construídas, numa óptica de complementaridade com Espanha, a Europa e o Mundo.

A maioria dos políticos argumentará que algumas obras servirão qualquer vocação e, que por isso, não devem ser atrasadas. É nesta linha que vai Sócrates quando, sobre o TGV, afirma que não podemos ficar fora das redes europeias. Tendo a considerar este argumento razoável no que respeita ao TGV, e defendo mesmo que o seu traçado deveria ser mais ambicioso. Assim, embora não me pareça crucial o TGV Porto/Lisboa, já o Porto/Madrid e o Lisboa/Madrid me parecem importantes, desde que abarquem também o transporte de mercadorias. Isto porque creio que as forças que condicionam a evolução dos transportes continentais, a longo prazo, privilegiarão o comboio em relação aos transportes aéreos e por estrada. Outro tanto não me parece defensável em termos do projecto da OTA.

Mas a questão fundamental que me traz é a da estratégia, proposta e não tratada por João Cravinho. Mesmo considerando que o lançamento de grandes obras é um meio de fomentar o crescimento e o emprego a curto e médio prazo, que é o mais fácil e o que melhor satisfaz os interesses instalados, em termos estratégicos trata-se de um "crescimento" não sustentável, porque visa infra-estruturas e não o desenvolvimento continuado de valor resultante de uma vocação.

Para visar este último os Políticos terão de ter o arrojo de propor vocações para o país e de as fazer acontecer. Terão de ter a coragem de enfrentar mentalidades instaladas e interesses instalados, que foram sendo forjados num modelo de desenvolvimento que já foi, não é mais, como muito se tem repetido. Se bem o fizerem, os portugueses sacrificar-se-ão alegremente na construção do seu futuro. E esses Políticos farão História.

Esta é a questão chave do país neste momento e não os fogos, nem Sr. Mário Soares, nem o Sr. Cavaco Silva.

terça-feira, agosto 23, 2005

A QUESTÃO DO MOBILIZAR DO PAÍS

Escreve o Sr. Manuel Carvalho, no editorial de hoje do Público, e bem, que falta a Sócrates a capacidade de mobilizar o país.A questão é exactamente essa. Mas ela assume um elevado grau de dificuldade no seio de uma cultura permissiva, dependente e, principalmente, gregária. É nesta “forma de fazermos as coisas”, como alguns têm lembrado, pontualmente, que reside o nosso problema de desenvolvimento.

Não quero insistir, embora não fosse demais, na enumeração das características culturais que nos tolhem. Mas sobre uma, badalada em termos de factos, mas menos badalada em termos do conhecimento existente sobre as culturas, convém chamar a atenção. É a questão do nosso elevado índice de colectivismo (factor observado por Hofsted), ou seja, a tendência do português se integrar em grupos (poderia ler-se, pejorativamente, "panelas") na expectativa de que o grupo defenda os seus interesses, em contrapartida de ele defender os interesses dos outros membros do grupo, independentemente da racionalidade do tema em causa e, portanto do interesse do país. Ora esta característica é inadequada no mundo actual. Ela cria como que "teias sociais" que enleiam a iniciativa individual, essa sim, fundamental num mundo cujo presente já não se faz do passado, mas antes do futuro. Cerceia a mobilidade, a criatividade, a capacidade de fazer acontecer. Noutros países, alguns mais desenvolvidos que nós, este impacto negativo do gregário também se faz sentir. Cito um amigo que, tendo recentemente visitado a China e o Japão, me dizia, sobre este último: "... e o Japão parece que parou no tempo! Há vinte anos que lá não ia e parece tudo na mesma!"... Pergunto-me se haverá país mais gregário que o Japão, embora por razões muito distintas das nossas, obviamente.

Esta é uma das razões porque sustento que o 25 de Abril não foi uma revolução. Efectivamente, nem a estrutura fundamental do Estado Novo foi destruída − a sua administração central −, nem a cultura foi profundamente alterada. Ora uma e outra vão a par, já que a estrutura fascista dita o o cidadão deve fazer no quotidiano, retirando-lhe a individualidade. Exagerando, diria que a nova elite simplesmente se apropriou dessa estrutura para os seus fins e não libertou as “potencialidades de fazer” da classe civil. Não! Na prática, não houve uma autêntica revolução com o 25 de Abril, infelizmente. Tudo continuou e parece continuar a ser feito na mesma.

Um dos melhores primeiros-ministros que tivemos, Cavaco Silva, não teve infelizmente a visão requerida sobre esta questão e fortaleceu ainda mais o aparelho administrativo, em lugar de o desmantelar. Assim contribuiu para o aprofundamento óbvio daquela tão negativa característica cultural. [É curioso como, entre nós, os sucessivos governos à direita tendem a tomar medidas à esquerda e os de esquerda medidas à direita. Talvez que tal se deva à tibieza dos governantes neste caldo cultural.]

E agora? Agora, temo pelos nossos filhos. Era necessário existir uma elite com fé, que promovesse num projecto mobilizador de vastas camadas e interesses do país. O recurso aos tradicionais grandes investimentos − OTA, TGV, etc. − e à construção de outras infra-estruturas − como o plano tecnológico − não conseguem iludir a questão de qual é a nossa vocação, ou quais são as nossas vocações, como país. Será isto tão difícil de compreender, pois é disso que temos de tratar? Não faz sentido mobilizar as vontades em torno da construção de infra-estruturas. Estas servem de apoio a futuros que estão por assumir e não são um futuro em si.

As vontades mobilizam-se em torno de projectos que aproveitem as oportunidades, evitem os escolhos, e que assentem em potencialidades que possuímos e os outros não. Um desses projectos poderia ser o do turismo sénior em muito grande escala, tendo por mercado alvo os países frios da Europa, projecto que abordo noutros tópicos deste blog, nomeadamente, no "OUSE, SR. PRIMEIRO MINISTRO".

quinta-feira, agosto 18, 2005

CADA POVO TEM O PRÍNCIPE QUE A "ÉLITE" MERECE

Quando políticos, jornalistas e quejandos dão o relevo a que assistimos ao provável embate entre Mário Soares e Cavaco Silva, reforço a minha convicção de que o país não vai a lado nenhum sem correr com esta gente medíocre. Os candidatos são quem são, porque políticos, jornalistas e quejandos são, também e infelizmente, o que são.

E é esta gente que chama de populistas a alguns que não navegam no seu charco de alfazema.

quarta-feira, agosto 17, 2005

O PLANO TECNOLÓGICO DO SR. SÓCRATES

Preocupa-me a maneira como estamos a ceder à tentação de olhar a tecnologia como solução global para os nossos múltiplos males. Muitos de nós acreditamos que é a técnica que nos vai salvar do atraso. Essa crença deixa-nos vulneráveis a uns tantos vendedores de produtos mágicos. O futuro não seria apenas melhor − como diz o “slogan” − mas fácil, tão fácil como digitar num teclado. Para sermos como eles, os desenvolvidos, basta preencher uns tantos indicadores nos critérios dos consultores e, num ápice, entramos no clube.

Sabemos que não é verdade. Desconheço por que motivo queremos ser como «eles» e não como nós mesmos, seguindo caminhos nossos para destinos que nós próprios inventamos. O que nos separa da riqueza são, sobretudo, questões de natureza não técnica. São atitudes, vontades, uma determinação política e uma postura do domínio da cultura. Digitalizar não nos converte em seres modernos. Encostar a orelha num telemóvel não nos torna produtores de coisa nenhuma. Caso não venhamos a exercer alguma soberania em actos que, afinal, são de cultura, entramos nesse universo a que chamamos sociedade digital como um mercado menor, um pequeno parceiro da periferia.


N.B. − Este trecho é um excerto de uma palestra proferida por Mia Couto na Conferência de Telecomunicações de Moçambique, em Abril de 2001. Faço a transcrição, com a devida vénia, sabendo de antemão que me daria a sua aprovação, quanto mais não fosse pelo demonstrar de quanto o provincianismo continua ainda a afectar a antiga “potência colonizadora”. Alterei somente as palavras em itálico, por me parecerem mais adequadas à situação vertente. O título é, obviamente, meu.
ESTUDOS SORE A RENTABILIDADE DO TGVOTA!?

O desnorte por vezes impera. Não bastava um Governo autista pretender cometer a insensatez de querer levar por diante os TGV/OTA, sobranceiramente, usando dinheiro que não é só nosso, mas também dos nossos filhos. Era também necessário que surgissem detractores a pedir estudos sobre a respectiva rentabilidade!

Para investimentos de tão longo prazo, qualquer estudo de rentabilidade é falível em condições normais. Ora no actual ambiente de escalada de preços do petróleo, não fará qualquer sentido: tudo o que vá para lá de uns dois ou três anos não tem rigorosamente nenhum significado. Quais serão os preços do petróleo dentro de cinco, de dez anos? 500 dólares o barril? Mais? Menos? Fazemos apostas? Que impacto irá ter tal custo sobre as deslocações por avião? Passarão a ser tão onerosas, que os voos se reduzirão aos de muito longo curso, diminuindo portanto o número de viagens de avião? Será que a alternativa continental será o TGV? São questões em aberto, a que ninguém saberá responder correctamente, o que invalida a pretensão de qualquer estudo rigoroso.

A saída razoável para esta questão será a de disponibilizar cenários especulativos alternativos e sobre eles abrir uma discussão pública. Depois, e só depois, deveria um Governo sério atrever-se a tomar uma decisão final.
SEMENTE

- Truz! Truz!
- Quem é?
- É o preto que quer café...
- Quanto quer?
- Um pataco!
- Vá-se embora, seu macaco!

E a avózinha ensaiava uma gargalhada, antes de admoestar os netos: "Isto é a brincar, que os pretos são gente como nós!".

domingo, agosto 14, 2005

PARA A PSIQUIATRIA E PARA A ANTROPOLOGIA DO SÉCULO XXI

Três grandes tendências já começaram e continuarão a afectar o comportamento humano no século XXI.

A primeira, que já se faz sentir desde a segunda metade do século passado, tem a ver com a importância do futuro no moldar das nossas acções no presente. Na realidade, ao longo dos séculos, o futuro era considerado um prolongamento do passado. O saber e a experiência, a cultura adquirida, eram as bases com que o homem construía o seu futuro. Ora a inovação tecnológica em todos os campos, mas especialmente nos da comunicação e do tratamento da informação, levou a que o futuro deixasse de ser uma mera projecção do passado, na medida em que as inovações, a uma cadência cada vez mais acelerada, lhe criavam descontinuidades. E o psíquico do homem, forjado na sua vivência passada, passou a ter de se reger pelas incertezas do futuro. E, deste modo, se foi a tradicional sabedoria do ancião, pelo menos em muitas das suas facetas.

A segunda tem a ver com o impacto na comunicação interpessoal que a formidável, e cada vez mais acelerada, expansão do conhecimento acarretará. O alargar deste obriga à especialização dos homens e das suas organizações. Nas organizações aí temos o outsourcing (aquisição a terceiros das tarefas que não se enquadram naquelas em que somos especialistas, mas necessárias para as complementar) −. Nos indivíduos, cada vez mais especializados, que não podem, só por si, abordar um problema em todas as suas facetas, surge o trabalho em equipa, surge o networking. Contudo, com o ritmo previsto para o alegar do conhecimento, tal não bastará, já que o discurso verbal será uma limitação para as necessidades de comunicação requeridas pela aplicação de tais imensidades de saber. Na realidade, o discurso, fonte da supremacia do homem no reino animal e construtor do desenvolvimento das sociedades, é muito limitado face às nossas capacidades cerebrais de tratamento de informação. Daí o dito do povo de que “uma imagem vale por mil palavras”, daí a preferência das crianças na comunicação pela imagem a que, finalmente, alguns começam a dar a relevância necessária. Os homens terão pois de encontrar um meio de comunicação − biónico ou outro − que lhes permita comunicar mentalmente entre si. Sem o que o avanço do conhecimento será travado ou passaremos a depender exclusivamente das máquinas.

O terceiro está ligado com a morte, cada vez mais longínqua. Ora a morte é determinante no moldar do comportamento de cada um. Se a vida é curta, há que a aproveitar o melhor possível e que não cuidar muito do futuro. Mas se a vida é longa, há que garantir condições de sobrevivência para futuros mais distantes. Não só pessoais, mas também do meio ambiente. Curiosamente, por mais que diga aos meus filhos que têm um horizonte de vida de uns 130 ou mais anos, que só se reformarão lá para os 110 e que neste lapso de tempo muitas coisas acontecerão, parece-me que eles se continuam a comportar como se tal não fosse uma realidade.

É claro que muito se poderia especular em torno destas três tendências, que aqui só introduzo. Contudo, talvez convenha recordar um outro aspecto, omnipresente, mas que, em última análise, se enquadra na segunda tendência acima referida: a questão da alteração do ritmo do tempo psicológico. Na realidade, num mundo em que aumenta a concentração dos acontecimentos por cada unidade de tempo cronológico (do relógio), o tempo psicológico tende a ser menor, ou seja, “o tempo passa muito depressa”. Também este factor afecta apreciavelmente o nosso comportamento.

segunda-feira, agosto 08, 2005

sexta-feira, julho 29, 2005
























Desespero
Maria Cerveira
MORTE

Zenão parava, ardilosamente, o tempo para que Aquiles não ultrapassasse a tartaruga.

Por esta Europa fora há também quem se afadigue em parar o tempo, para não ser ultrapassado. Só que o parar do tempo é a morte.

quinta-feira, julho 28, 2005

CULTURA E ECONOMIA

Há anos que defendo que, para conseguir uma melhor governação do país, havia que atentar mais na nossa cultura, ou seja, na nossa forma de pensar e de fazer as coisas no dia-a-dia social, político, económico. Escrevi cartas e cartas, quantos artigos propus!
Agora alguns senhores políticos e muitos jornalistas começam finalmente a descortinar ao que eu vinha.

Estou contudo em crer que, entre esses neófitos, muitos, que andavam incomodados com os maus resultados conseguidos por si e pelos seus pares, tomaram a descoberta como um bode expiatório: afinal a culpa não é deles e dos amigalhaços, mas antes da cultura nacional. Que alívio para as suas consciências, até porque, afinal, a cultura deles é outra!
REFLEXO

Sempre que me barbeio vejo-o no espelho.
Um dia, pergunto-lhe: "Quem és?".
Ele fita-me nos olhos e cita Pessoa: "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. Para além disso, ..."
A questão salta: "E bastam os sonhos?!"
Estou e não estou nos tempos que correm.

domingo, julho 24, 2005

AUTÁRQUICAS

As duas grandes opções que se colocam aos eleitores:

TGVOTA ou NÃOTGVOTA.
"SEDE PRÓXIMOS MAS NÃO MUITO, PORQUE O CASTANHEIRO NÃO CRESCE À SOMBRA DA AZINHEIRA"
Dizer árabe
PRESIDENCIÁVEIS - 5

Com a candidatura de Mários Soares, lá vou eu engolir uns sapos e votar em Cavaco Silva...

sexta-feira, julho 22, 2005

QUIERO

Quiero que me oigas sin juzgarme
Quiero que opines sin aconsejarme
Quiero que confies en mí sin exigirme
Quiero que me ayudes sin intentar decidir por mí
Quiero que me cuides sin anularme
Quiero que me mires sin proyetar tus cosas en mí
Quiero que me abraces sin asfixiarme
Quiero que me animes sin empujarme
Quiero que me sostengas sin hacerte cargo de mi
Quiero que me protejas sin mentiras
Quiero que te acerques sin invadirme
Quiero que conozcas las cosas mías que más te disgusten
Que las aceptes y no pretendas cambiarlas
Quiero que sepas... que hoy puedes contar conmigo...Sin condiciones.

Jorge Bucay, "Cuentos para pensar", RBA Libros, SA, 2002, Barcelona
MARXETING

"De cada um conforme as suas capacidades, a cada um conforme as suas necessidades".

O marketing é o conjunto de metodologias que procura tratar da segunda destas afirmações.
MARX E E-BIZ

O e-biz, vulgo comércio electrónico entre empresas e entre estas e os consumidores, tende a estabelecer uma rede de clientes/fornecedores que permitirá criar uma planificação flexível das actividades económicas... com iniciativa privada!

Assim morreu a velha utopia da planificação centralizada.
CAMPOS E CUNHA E AUTÁRQUICAS

Desconfio de que o avançar com os megaprojectos da OTA e da alta velocidade - devo dizer que não rejeito este último sem um estudo, sério, que tenha em conta as alterações no quotidiano a provocar pela inexorável subida do preço do petróleo, na próxima década -, desconfio, dizia, que tais projectos são uma exigência vesga do aparelho do PS, que alega ser necessário aplacar os "lobbies" esfaimados, para que ajudem os seus autarcas a assegurar vitórias nas próximas autárquicas.

Ora estou em crer, que os votantes já não são o que eram, que estão alerta para tais conúbios, pelo que reagirão de forma diversa. Estou mesmo convencido que a "expulsão" de Campos e Cunha já fez com que o PS perdesse, esta semana, pelo menos uns 5% de intenções de voto... Mas também estou em crer que, misturados com tais vesgos, há naquele aparelho quem saiba o que realmente vai acontecer, mas que alimente tal crença porque quer encher os bolsos.

Até agora tinha José Sócrates na conta de uma pessoa séria e inteligente. Mas o acreditar que com tais medidas que vai manter ou ganhar mais uns votos nas autárquicas, é um enorme erro político. O povo aceita as restrições, até mais se necessárias forem, mas não aceitará sacrificar-se para depois se esbanjar o dinheiro com "os senhores do costume". Persistir nesta via poderá levar a que o PS desapareça do mapa das autarquias. O que, face a muitos dos candidatos que propõe, talvez não fosse assim tão mau.

quarta-feira, julho 20, 2005

Leitura
Maria Cerveira
GENTE DE NOMEADA

Se pudesse comprar os gestores e os políticos que por aí andam pelo seu valor real, e vendê-los depois por aquilo que eles próprios acham que valem, não precisava de jogar no euromilhões.

O QUE ELES QUEREM OUVIR

Se os outros te merecem respeito, diz-lhes não o que eles querem ouvir, mas o que realmente pensas.

C. Marques Pinto
VENTOS E TARIFAS

Dizem-me que a questão da demora na aprovação dos parques eólicos não depende tanto do pseudo-fundamentalismo dos técnicos minsteriais do ambiente, mas mais da tarifa a que a EDP terá de comprar o kwhr, muito mais elevada do que está habituada a pagar a França.

Alguém me esclarece esta perplexidade?
ALBERTO JOÃO E XENOFOBIA

O vesgo dos intelectualóides de esquerda e de alguns políticos a seu reboque, como o exemplo recente do Sr. Marques Mendes, ameaça expandir a xenofobia, contrariamente ao que dizem.

Senão, vejamos. Alberto João diz em voz alta o que grande parte dos portugueses pensa:

a) que a globalização, ao permitir a concorrência a nível internacional dos países menos desenvolvidos com os mais desenvolvidos, cria dificuldades conjunturais aos últimos, que se manifestam em dificuldades na vida do dia a dia das suas populações (até aqui estou de acordo com eles);

b) seguidamente inferem que é necessário fechar fronteiras para continuar a estarmos benzinho [ e esses povos que se lixem?, pergunto eu].

Ora isto não é xenofobia e parece-me politicamente indesejável transportar a discussão para tal campo. Há que haver a coragem de colocar as coisas nos seus devidos lugares e que debatê-las publicamente. Ou preferem varrer para debaixo do tapete, assobiar para o ar, e depois queixarem-se de que não há participação democrática? Já se esqueceram das razões do recente não francês ao tratado da UE? Quando acabam os políticos europeus com essa tradição paternalista dos intelectuais ditos de esquerda, que vai ajudando a matar a nossa Europa?
OS ESCOLHOS DE MARCELO

Proponho publicamente à RTP que passe a designar assim o programa dominical de Marcelo Rebelo de Sousa.

Na realidade, todo o programa parece cada vez mais centrado no seu ego, o que torna mais razoável o termo "escolho!" (plural: escolhos) que "escolha".

Depois, porque o contraste com o programa de António Vitorino, Notas Soltas, à 2.ª feira, no mesmo canal ameaça tornar-se num escolho para Marcelo.
PRESIDENCIÁVEIS - 4

No passado Domingo, no seu programa As escolhas de Marcelo, na RTP, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa presenteou-nos com um novo facto político, desta vez sem aquele seu genuíno tirar o coelho da cartola.

Ele era apagar a possibilidade de uma candidatura de Freitas do Amaral e propor à esquerda a candidatura da Mário Soares. Demasiado explicitamente, vinha também o recado a Sócrates: "Apoias a candidatura de Mário Soares [que já sabes perdedora perante Cavaco Silva] e assim livras-te do Manuel Alegre. Desta forma ficas com Cavaco, que é o homem que te convém."

Mas Marcelo não estava decidamente nos seus dias e tudo pareceu demasiado baço e pouco credível.

Há duas grandes questões em torno da candidatura de Freitas à Presidência da República: uma, a de se seria neste momento um bom Presidente para o país; a outra, a de se seria uma candidatura ganhadora.

Quanto à primeira, o seu lastro cultural, a honestidade do seu perfil intelectual, a sua experência internacional, a sua independência política, a sua boa relação com Sócrates, a sua firmeza e o seu sentido de serviço, parece coadunarem-se com as exigências do cargo neste momento.

Quanto às chances de vitória de tal candidatura, talvez lhe sejam também mais favoráveis. O cenário mais provável seria o de existir uma candidatura à esquerda (Manuel Alegre?) e a de Cavaco Silva (que parece pretender ser o D. Sebastião dos tempos que por cá correm). Manuel Alegre teve os votos que teve nas eleições internas do PS e terá mais alguns de partidos à esquerda deste. Cavaco terá os dos trauliteiros da direita (que os não trauliteiros são mais avisados) e os de todo, ou pelo menos uma boa franja, do PSD. Neste quadro, parece razoável esperar que Freitas passe a uma segunda volta. Ora não parece credível que, então, os votos mais à esquerda se desloquem para Cavaco Silva.

Será que Sócrates assim entende, ou também aqui estará preso à máquina partidária, como mais uma vez o demonstrou na recente nomeação do candidato às autárquicas de Matosinhos?

sábado, julho 16, 2005

ENTROPIA, AMOR E DISCÓRDIA

Os físicos usam a entropia para distinguir entre o amor e a discórdia.

C. Marques Pinto
A QUESTÃO DA AUTO-ESTIMA

Não seria mau que os portugueses reflectissem um pouco, não sobre o nível da sua auto-estima, mas antes sobre o que tencionam fazer com ela.

Jorge Bucay, eminente psiquiatra argentino, da corrente gestáltica, propõe que auto-estima não seja entendida como o grau de apreço em que nos temos, mas antes a avaliação que fazemos de nós mesmos. Ou seja, estimar seria avaliar.

As consequências seriam em meu entender mais interessantes que as decorrentes da primeira e mais vulgar acepção. Efectivamente o grau de apreço em que nos temos, decorre inevitavelmente de uma prévia avaliação do nosso ser. Só depois de tal avaliação estabelecemos o grau de apreço que as conclusões decorrentes nos merecem. E este estabelecer é certamente condicionado pelo nosso ser: quaisquer que sejam as conclusões a que chegarmos, o nosso ser pode aceitá-las melhor ou pior, reagir positiva ou negativamente a elas.

A ser assim, é errado ignorar os resultados da autoavaliação, saltando desde logo para o estado de espírito subsequente. Há que haver consciência deles e da questão que, de seguida, se deve colocar: o que vamos fazer com eles? O são, aceita o que é e usa o diagnóstico para procurar melhorar. O débil, soçobra a resultados que crê serem fracos e remói-se na inactividade: “ao que eu cheguei…”.

O “varrer para debaixo do tapete” os resultados da autoavaliação é atitude típica da nossa cultura, da nossa não proactividade racional. Ora sem a consciência do diagnóstico, onde buscar o remédio?

E fica-me uma questão: o diagnóstico incomoda mais as elites que nos têm guiado ou os portugueses em geral? Ou melhor: o diagnóstico incomoda mais os mentores de tais elites ou os portugueses em geral?

E se os casos “Fátima Felgueiras”, “Avelino Ferreira Torres”, etc., etc., não forem meros episódios, mas antes são afloramentos daquilo que os portugueses realmente pensam de tais elites? E se os portugueses não acreditarem que nessas há menos de 10% de corruptos? Se assim fosse, os portugueses perguntar-se-ão inevitavelmente sobre o que distingue realmente a Sr.ª Fátima Felgueiras, o Sr. Avelino Ferreira Torres, etc., etc., da grande maioria dos membros de tais elites, e eu compreenderia melhor tais afloramentos(?).

Acredito que sem uma mudança radical da mentalidade dos mentores dessas elites - e estes não são certamente, na sua grande maioria, corruptos -, quiçá, sem a substituição de tais mentores, a sobrevivência portuguesa está a prazo.