sexta-feira, dezembro 12, 2008

A CONSTRUÇÃO DO FUTURO

 

José Miguel Júdice, no seu articulado no Público de hoje, presenteia-nos com a desesperança a que nos acostumaram alguns homens-bons, com uma novidade extremamente importante: ele não é só o Portugal, mas o mundo todo…

 

Quando senti o desespero de um Miguel Sousa Tavares e depois de um José Pacheco Pereira perante a pobreza do povo português − a pobreza da atitude, a pobreza cultural, que a outra pobreza provém desta − disse com os meus botões: “Tarde, mas lá descobriram!”. E contudo sentia o quadro incompleto. Incompleto porque via que noutros locais havia também os podres que cá havia. Mas, dizia para comigo, por cá exagera-se na quantidade; é a pobreza deste povo!

 

Ora o articulado de José Miguel Júdice ajudou-me a contornar este amargor; trouxe-me ao de cima o que já intuía. Estamos em presença de um fenómeno global e o recente desespero de gentes na Grécia é um seu epifenómeno, como epifenómenos foram os tumultos dos bairros em torno de Paris, e epifenómenos são os terrorismos e outros. Mas concluir que o que daqui virá serão regimes dignos dos infernos dantescos é um temor mais literário que científico, já que o simples respigar de meia dúzia de exemplos históricos não avaliza tal conclusão.

 

É claro que os períodos de profundas mudanças históricas como o que parece estarmos a viver, são conturbados e sacrificam por vezes muitas vidas. São como o dilúvio que limpa a terra e a acomoda para sementeiras mais promissoras.

 

Mas onde buscar o horizonte que falha a José Miguel Júdice? Já não há o político Marx (ou só o há para alguns “religiosos” e para alguns diletantes) e esta democracia não nos serve: de imperfeita passou a eticamente tóxica. Penso que teremos de o buscar na reinterpretação do quadro da evolução histórica das sociedades humanas, tal como o propõe o agora sociólogo Marx, mas procurando como guia “uma verdade mais ampla”: não já a do seu modo de produção, mas antes a da tecnologia subjacente à crescente complexificação das sociedades humanas. Este guia para a interpretação da história dos homens já foi proposto, nos anos 1930, pelo P.e Teillard de Chardin, que até propôs uma designação para a sociedade planetária: a noosfera.


Hoje é-nos mais fácil reconhecer que a sucessiva complexificação das sociedades humanas assentou basicamente nas tecnologias de informação e comunicação de que os homens foram dispondo ao longo da sua história. A fala permitiu aos homens formas de organização impensáveis entre os símios. A escrita permitiu regular os impérios. A imprensa, esse primeiro mass media, fez surgir Voltaire. E em cada estágio as sociedades humanas foram-se organizando de formas que podiam ser cada vez mais complexas e simbióticas.

 

Os desenvolvimentos dos meios de comunicação de pessoas e bens e, sobretudo, de informação, ao longo do século passado, por exemplo, criaram uma tal necessidade de tratamento de informação, que o computador se expandiu e teve o reconhecimento universal graças à sua capacidade de processamento de informação diversificada, quando tinha sido inventado para processar cálculos científicos. E a internete vem por sua vez potenciar a comunicação e colocar novas questões ao seu tratamento. Veja-se aqui o sucesso do motor de busca Google. 


E é essencialmente neste quadro resultante do aumento exponencial dos saberes (da informação convenientemente tratada e assimilada), no quadro da planetarização, no quadro da mudança colocada pelo constantemente novo, no quadro de sociedades cada vez mais velhas, no quadro da exigência de respeito para com os até agora desrespeitados e, também, no quadro da necessidade de perseverar o planeta, que temos de procurar soluções realmente inovadoras para construir o futuro.

Não há obviamente soluções únicas e definitivas, o que limitaria a nossa índole criadora e a nossa capacidade de sofrer e de crescer. As soluções que adoptarmos ajustar-se-ão melhor ou pior ao rumo da complexificação das sociedades, criando assim situações mais harmónicas ou menos harmónicas ao nosso bem-estar.

E temos de ter a consciência de que as respostas válidas serão grande parte das vezes de rotura com o passado, de rotura com grande parte dos poderes e dos interesses instalados. E temos de ter a coragem de por elas lutarmos.

 

Importa que muitos compreendamos este quadro do evoluir humano; e que muitos desses muitos se empenhem na perspectivação do futuro nessa óptica, na busca de processos para o construir. E digo muitos, mas mesmo muitos, porque hoje somos todos heróis, porque esta é a atitude intelectual moderna.

 

Nos tempos que correm, a informação do que se passa noutros locais e o que fazem os diversos responsáveis (ou irresponsáveis) está ao alcance de todos. As nossas formas de organização social clássica revelam-se então inadequadas, porque não nos conformamos, e bem, com o que sabemos (ou julgamos saber). A democracia política representativa já não serve. A família já não é a base da organização social, como muitos ainda pretendem, porque está esboroada. Já não há homens que saibam tudo ou quase tudo: cada um é necessariamente cada vez mais especialista e os problemas são resolvidos em equipa (a interacção é imensa). Já pomos em causa a nossa cidadania: já nos sentimos cada vez mais cidadãos do mundo.

 

Estamos no tempo de inventar respostas para estas questões, de procurar novas formas de vivermos e de convivermos. Pode acontecer, por exemplo, que a administração de Obama contribua com avanços significativos para potenciar novas formas de democracia recorrendo à utilização da internete.

Outros procurarão e ensaiarão respostas várias e partilharão as suas experiências.

 

É hoje possível, definitivamente, sermos muitos, mas mesmo muitos, a compreender estas questões. E então saberemos mais facilmente como lhes dar resposta,  tornando inútil o pessimismo de José Miguel Júdice.

Para isso é vital a eficaz utilização dos meios de comunicação, sejam os mass media, seja a internete.