terça-feira, maio 27, 2008

CULTURA E ERUDIÇÃO

O erudito é um museu de conhecimentos com pernas.

O culto entretece os conhecimentos que tem, e assim fabrica novos pensares e novas ideias. Normalmente também tem pernas.

Fica a questão de se há eruditos sem pernas.

quarta-feira, maio 14, 2008

DOGMATISMO

O dogmático persevera nas suas convicções em excesso, rejeitando tudo o que as possa por em causa.

Por mim, tenho a impressão de que há muita gente dogmática, a construir os seus raciocínios com base em premissas das quais discordo.
O ACORDO ORTOGRÁFICO

Reza o Público de hoje que João Lobo Antunes se juntou a Vasco Graça Moura na cruzada contra o acordo ortográfico. Discordam dele. Como discordaria Camões se o obrigassem a escrever os Lusíadas em posterior versão do português que então usava. Só a trabalheira de refazer as escritas e as rimas à obra ou então de as fazer numa escrita estranha? E que diria o imperador das nossas letras, o Vieira, de nos obrigarem a escrever a meio caminho do Maranhão?!

Tenho aliás a impressão de que aqueles e outros doutos senhores, na senda do orgulho pátrio, diria mesmo, do orgulhosamente sós, breve virão a propor que adoptemos o mirandês como língua pátria, resolvendo-se a questão de uma vez por todas.

Um tio avô e padrinho deu-me, há muitos anos, uma edição do dicionário Lello Universal, com entradas em português antigo e em português moderno. E lá vem a phýsica, o elle e muitos outros milhares de arcaísmos. Deverá datar de 1940 ou 1941, que não lhe imprimiram a data. Disse-me que tinham sido editados quinhentos exemplares e que a maioria tinha sido retirada do mercado por falta de compradores. Passados uns anos foi a muito custo que conseguiu arranjar, em segunda mão, o exemplar que então me oferecia.

Está visto que desde então progredimos como nação. Nos anos de 1940, os portugueses não eram como os de agora. Eram outros: queriam o dicionário segundo a última versão ortográfica. Os portugueses de hoje sustentam os escritores que estimam, porque sabem desta edição falhada. Desconfiam que as obras por eles publicadas na actual versão de português deixarão de ter saída uma vez oficializada a nova versão acordada com o restante mundo lusófono. E não querem o prejuízo dessas estimadas gentes.

Valha a verdade que mesmo agora ninguém quer o meu Lello Universal com as duplas entradas: já o tentei oferecer à biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sem sucesso. Duplas entradas só mesmo num bom restaurante!

segunda-feira, maio 12, 2008

O RESSURGIMENTO DA ÉTICA

Dizem-me que nos EUA jovens candidatos a emprego salvaguardam desde logo que às 18.00 horas têm de sair para ir à aula de yoga e similares. Dizem-me que em Inglaterra uma vaga de gestores prefere abdicar de privilégios e prefere auferir vencimentos mais reduzidos em favor de mais tempo para poder ter uma melhor qualidade de vida.

Pressinto nestes epifenómenos que algo de mais profundo se avizinha: uma nova forma de encarar a vida nas sociedades ocidentais. Aceita-se ainda que se façam contratos de montantes absurdos com jogadores de futebol, mas já se revela indignação. As recentes ciclópicas indemnizações a ex-administradores do BCP foram consideradas, de forma geral, como que um roubo aos clientes e aos accionistas. Os salários demasiado elevados dos gestores são questionados pelo Presidente da República. Um prémio Nobel da economia vem-nos demonstrar a irracionalidade económica dos prémios que muitos gestores se auto-atribuem. E as pessoas recordam mais o contraste com os humilhados e os excluídos de todo o globo.

Alguns factores são fundamentais no ressurgimento de uma nova forma de estar nas sociedades ocidentais.

O aprofundamento da comunicação de pessoas, de bens e de informação, a nível global, faz com que tudo se passe à nossa porta. E ou nos condoemos da dor em que vivem muitos milhões de vizinhos, ou tememos a sua provável reacção. E sentimos que temos de arrepiar caminho.

Mas a comunicação acarreta algo de socialmente mais importante: a possibilidade de evolução para formas mais complexas de organização das sociedades. Tende-se para que cada cidadão seja um nó inteligente de uma vasta rede social que cobre a biosfera. É a concretização da noosfera, proposta por T. Chardin. Cada um tem acesso facilitado a formação e informação/enformação. O poder de decisão sobre o futuro de acontecimentos sociais estar-lhe-á cada vez mais próximo. A possibilidade de controlo sobre os acontecimentos e sobre os seus actores também. Mas quem detem o poder instituído tudo fará para retardar o processo. E sentimos que temos de arrepiar caminho.

A degradação do meio ambiente começa a ser sentida como muito grave, afectando já as nossas vidas e não unicamente, passe o cinismo, as dos nossos filhos. E sentimos que temos de arrepiar caminho.

A escassez de recursos que começou a sentir-se há alguns anos nalgumas matérias-primas, ganhou protagonismo com a ascensão do petróleo e parece começar a alastrar a alguns bens alimentares. A falta de água já é uma realidade em demasiados pontos dos nossos países. E sentimos que temos de arrepiar caminho.

O novo-riquismo das novas classes médias, que fomentou em boa parte o consumismo, talvez esteja em declínio face aos novos apelos do conhecimento e do entretenimento. E é-lhe assim mais fácil arrepiar caminho.

O impacto destes factores no nosso viver já há muitos anos tinha sido anunciado. Mas só agora parece começar realmente a fazer-se sentir. E ele implica a assunção de novos valores. Está a ressurgir a ética, com roupagens obviamente adequadas ao futuro que pressentimos ter de salvaguardar.