quarta-feira, maio 14, 2008

O ACORDO ORTOGRÁFICO

Reza o Público de hoje que João Lobo Antunes se juntou a Vasco Graça Moura na cruzada contra o acordo ortográfico. Discordam dele. Como discordaria Camões se o obrigassem a escrever os Lusíadas em posterior versão do português que então usava. Só a trabalheira de refazer as escritas e as rimas à obra ou então de as fazer numa escrita estranha? E que diria o imperador das nossas letras, o Vieira, de nos obrigarem a escrever a meio caminho do Maranhão?!

Tenho aliás a impressão de que aqueles e outros doutos senhores, na senda do orgulho pátrio, diria mesmo, do orgulhosamente sós, breve virão a propor que adoptemos o mirandês como língua pátria, resolvendo-se a questão de uma vez por todas.

Um tio avô e padrinho deu-me, há muitos anos, uma edição do dicionário Lello Universal, com entradas em português antigo e em português moderno. E lá vem a phýsica, o elle e muitos outros milhares de arcaísmos. Deverá datar de 1940 ou 1941, que não lhe imprimiram a data. Disse-me que tinham sido editados quinhentos exemplares e que a maioria tinha sido retirada do mercado por falta de compradores. Passados uns anos foi a muito custo que conseguiu arranjar, em segunda mão, o exemplar que então me oferecia.

Está visto que desde então progredimos como nação. Nos anos de 1940, os portugueses não eram como os de agora. Eram outros: queriam o dicionário segundo a última versão ortográfica. Os portugueses de hoje sustentam os escritores que estimam, porque sabem desta edição falhada. Desconfiam que as obras por eles publicadas na actual versão de português deixarão de ter saída uma vez oficializada a nova versão acordada com o restante mundo lusófono. E não querem o prejuízo dessas estimadas gentes.

Valha a verdade que mesmo agora ninguém quer o meu Lello Universal com as duplas entradas: já o tentei oferecer à biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sem sucesso. Duplas entradas só mesmo num bom restaurante!

1 comentário:

Anónimo disse...

A Língua portuguesa está a passar por um período de implantação, quer nos países Africanos de Língua Portuguesa, quer em Timor Leste. Na Guiné-Bissau esteve até para ser adoptado o Francês como língua oficial e em Timor-Leste o Inglês. Daí será fácil concluir que a língua portuguesa nas nossas ex-colónias não ficou muito bem cimentada. Esses países já não são colónias portuguesas, são livres e tanto poderão seguir o português falado em Portugal, por 10 milhões de habitantes, como o português falado no Brasil, por 220 milhões.

Se Portugal teimar em não se aproximar da versão de português do Brasil sujeita-se a ficar só e, mesmo assim, não vai conseguir manter a pureza da língua porque ela evolui todos os dias, independentemente da questão que agora se nos põe: todos os dias há termos que caem em desuso e outros novos que são adoptados pela nossa língua, em especial termos ingleses que são adoptados sem quaisquer modificações.

Se não houver aproximações sucessivas ambas as versões do português continuarão a divergir e daqui a algumas gerações serão línguas completamente distintas. Será então a altura de Portugal confirmar que saiu a perder porque ficou agarrado a um tabu que não conseguiu ultrapassar.

O Brasil tem um impacto muito maior no mundo do que Portugal, dada a sua dimensão, população e poderio económico que em breve irá ter. O nosso português tem hoje algum peso muito em função dos novos países africanos PALOPs ) e de Timor Leste, mas ninguém garante que esses países não venham um dia a aproximar o seu português da versão brasileira e há até já alguns sinais nesse sentido. A população do Brasil permite altas tiragens das publicações que ficarão mais baratas e, se houver maior harmonização, as editoras portuguesas (e amanhã dos PALOPs ) poderão vender mais no Brasil.

Se Portugal permanecer imutável um dia poderá ficar só: a língua portuguesa de Portugal será então considerada uma respeitável língua antiga (o Grego é ainda mais), da qual derivou uma outra falada e escrita por centenas de milhões de habitantes neste planeta. O nosso orgulho ficar-se-á por aí e pronto!

Ambas as versões de português têm uma raiz comum e divergem há cerca de duzentos anos. Outros duzentos e já não nos entenderemos: terão que ser consideradas duas línguas distintas.

O acordo ortográfico é uma decisão apenas política e quanto aos linguistas, apenas terão que assimilar as alterações e segui-las. Não se poderá alterar por decreto que uma molécula de água passa a ter dois átomos de oxigénio e outros dois de hidrogénio; ou que 5 vezes 5 passa a ser 28. Mas poderá alterar-se por decreto a grafia de "acção" para "ação" e quem não aceitar a alteração passa a cometer um erro (incluindo o ilustre Prof. Vasco Graça Moura). Com todo o respeito, mas também não são os Juizes que legislam, apenas têm que interpretar e aplicar as leis.

Portugal nada ganhará de imediato com a alteração mas tem muito a perder no futuro se rejeitar agora o acordo que o Brasil está disposto a aceitar.

Zé da Burra o Alentejano