terça-feira, janeiro 31, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (2)

2. Como se forma e como se muda a cultura

A cultura forja-se das experiências do viver, do superar das dificuldades e traumas, da alegria das conquistas. Em suma, é o passado que a cunha na memória de cada um. Ela adquire-se, pois, pela aprendizagem/vivência que cada membro da sociedade nela faz, seja na família, seja na vizinhança, seja na escola, seja no grupo de amigos, seja no clube, seja na organização onde se trabalha. Este processo de aprendizagem de cada um é condicionado geneticamente pelas características de cada um e é também condicionado pela aprendizagem e pelas experiências vividas anteriormente, nomeadamente as mais traumatizantes.
Damásio diria, eventualmente, que a cultura se entranha em cada um através da formação (e destruição) de redes neuronais, redes que constituiriam os marcadores somáticos do processo decisório. Ou seja, as vivências/aprendizagens de cada um conduziriam à formação de redes de neurónios que condicionariam o processo segundo o qual o indivíduo interpreta a realidade exterior e produz a resposta aos estímulos sentidos.
Numa perspectiva sociológica, convém notar que Marx assentou a sua perspectiva da história na hipótese de que a cultura é condicionada pelo modo de produção da sociedade. Ou seja, a forma como uma comunidade desenvolve a actividade económica tem um grande impacto na sua cultura. Acredito que, se vivesse hoje, encontraria como verdade mais ampla o assentar aquele condicionamento na tecnologia ou tecnologias, latus sensus, empregue pela sociedade.

Cada um reflectir no processo de formação da cultura, procurando em si exemplos que conheça, é um exercício importante para melhor assimilar o seu impacto no devir de uma sociedade. Embora ao longo deste texto vá citando aspectos que contribuem também para tal fim, parece-me importante citar exemplos

Um, o exemplo do impacto negativo que o prolongar do imposto da SISA teve na cultura nacional. Realmente, o prolongar no tempo de imposto tão descabido, permitiu elevadíssimas margens de lucro às empresas do sector, pela via da fuga ao IRC. Ora quando há elevadas margens de lucro, não se necessita do rigor, da boa gestão, como acontece na maioria dos negócios. Tal fomentou, pois, nas empresas do sector, a prática de todas as espécies de desperdícios, de improdutividades, de negociatas de momento, de incompetências, de fraudes. Ora sendo um importante sector de actividade nacional, quem nele trabalha e quem com ele convive oito ou mais horas diárias da sua vida, adquire esses maus procederes e transporta-os para a vida da comunidade. Também a generalizada constatação de que os agentes do estado responsáveis pela avaliação do real valor dos imóveis conviviam bem com a fraude generalizada ao estado, contribuiu, como continua a contribuir em casos similares, para moldar o proceder do homem comum português. Porque a cultura se faz de vivências.

Outros exemplos significativos de como a cultura se faz radicam no forte carácter simbólico dos actos dos dirigentes. Sabe-se que os actos destes têm um profundo impacto nas respectivas sociedades. Não importa tanto o que o chefe diz, como aquilo que ele faz. Que importa que o chefe diga que nos devemos preocupar mais com o planear as coisas se, no dia a dia, tudo o que ele faz é desenrascar? Os seus colaboradores, como ele, tratarão de desenrascar. Ora dar o exemplo não é atributo da grande maioria dos nossos dirigentes, nomeadamente dos da classe política. São sinais incorrectos que são enviados ao homem português e que ele interioriza na sua cultura.
(continua)