segunda-feira, janeiro 23, 2006

RESCALDO ELEITORAL

Ao pequeno almoço, dizia à minha mulher que instabilidade política poderia vir mais de uma desavença José Sócrates/Manuel Alegre, que de outro lado. Abro o Público e reparo que António Barreto também se inclina para tal opinião.

A questão de fundo, para além dos protagonistas, é o sentimento de muitos portugueses estarem agastados com os partidos, o sentimento de que entidades com tantos vícios, tão fechadas e tão pouco transparentes não bastam para apoiar a construção do futuro. Penso que este sentir vai muito além do milhão de votos que obteve Manuel Alegre.

O mesmo António Barreto dizia, na edição de Domingo do mesmo jornal, que a tarefa do futuro Presidente da República deveria ser sobretudo orientada pela luta contra a corrupção e, portanto, pelo repor de uma justiça operante, baseando-se no Governo para o fazer.
Ora não me parece que ao futuro Presidente da República baste o Governo para reduzir os actuais níveis de corrupção, pelas evidentes ligações que este tem ao partido que o apoia e que por isso lhe colocam constrangimentos.

Para além disso, penso que construir o futuro português implica mais do que o combate à corrupção, que é certamente importante. Temos de procurar na cultura, no modo como fazemos as coisas, as causas do nosso torpor e não que as imputar unicamente à pouca lisura das classes dirigentes. E a grande questão que se coloca é a da drástica redução do peso do Estado, não só na economia, mas no dia a dia da vida da mulher e do homem portugueses. Sem tal redução, os portugueses continuarão dele dependentes, continuarão passivos, continuarão não actuantes. Em tais circunstâncias não há autêntica independência nacional nem há um acentuado progresso nacional, que não meramente económico.
Reduzir o Estado implica mais sociedade civil. Implica mais iniciativa do mercado. Significa, para que nos acautelemos de efeitos nefastos do neo-liberalismo, que haja na sociedade civil organizações de cidadãos capazes de assumir funções hoje na alçada do Estado. Nomeadamente no apoio às actividades de bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos. O reconhecimento efectivo da importância deste papel dos cidadãos, para além dos partidos políticos, permitiria a Portugal dar um salto para uma sociedade mais liberal, mas também mais justa.

Ora Sócrates, contrariamente aos mais que o milhão de votos em Alegre, não parece subscrever esta necessidade de participação dos cidadãos; na sua autenticidade, ele dispensa os cidadãos, como dispensaria a justiça, como dispensaria o Presidente da República, se pudesse; não o digo por mal, mas porque me parece ser essa a sua natureza (que ele, obviamente, tentará combater!). Quanto a Cavaco, por um lado é um homem de serviço, distante dos partidos, o que poderia levá-lo a reconhecer a bondade de organizações cívicas para além dos partidos; por outro, sinto-o um homem só e sem uma cultura sólida, o que disso o afasta.

É neste enquadramento global que Manuel Alegre e o movimento de apoio à sua candidatura se terão de situar, não podendo ou, pelo menos, não devendo, colocar em risco a actual legitimidade governamental.