sábado, dezembro 31, 2005

SOBRE A DESCENTRALIZAÇÃO

“ […] Tudo isto significa, em resumo, descentralizar − mas descentralizar… pelo espírito. O espírito é tudo. Não curemos de obter o efeito − só por meio de reformas legislativas, políticas e formais. Se descentralizássemos no código, sem cuidar de descentralizar nas almas, ou sucederia novo fracasso, como em 1878, ou adicionaríamos ao grande Estado outros estadinhos omnipotentes, com os seus ódios de campanário e com a mesma espécie de banditismo que se manifesta nos largos bandos. […] A reforma, por isso, só começará quando nas cidades, nas vilas, nas aldeias […] houver grupos de cidadãos [honestos] decididos a contar consigo próprios, dispostos a combater no seu cantinho a omnipotência das clientelas, a criar falanges de reformadores que dirijam os serviços de geral interesse, repelindo o polvo do centralismo dos vários redutos de que se apossou. Criar o espírito descentralista, o gosto da iniciativa na vida social, o da actuação na cooperativa e na sociedade escolar, na oficina e no sindicato, na assembleia municipal e no município […]. A sanção do código virá a seu tempo. Sejamos cidadãos a todas as horas […] por um esforço quotidiano de autonomia, no palmo de terra em que temos os pés: esse, ao cabo de contas, é o caminho seguro da liberdade. O remédio para os erros da liberdade é uma liberdade mais bem entendida, − mais concreta, mais espiritual, mais de raiz. Lamentemos sinceramente aqueles que por falta de generosidade − ou de inteligência − são incapazes de o compreender.”

De António Sérgio, em “A propósito dos ‘Ensaios Políticos’ de Spencer