quarta-feira, dezembro 07, 2005

A BOA GOVERNAÇÃO E OS INDICADORES

O Passado!...
Bem o vemos andar, pavonear-se entre nós, nos
vestidos ilusórios da triste morte, arremendando
a vida…
ANTERO DE QUENTAL


Cada dia tropeçamos em números, rácios, sobre isto e sobre aquilo, que nos comparam com outros países, normalmente para evidenciar aquilo em que estamos pior do que os outros. É a produtividade no sector A e no sector B, é o número de diplomados, de juízes, de médicos, … por 1.000 habitantes, e por aí fora.
E com tristeza constato os governantes os tomarem como bússolas únicas da sua função.

A serventia de tais indicadores é permitir o comparar. Em organismos internacionais de coordenação, como os orgãos centrais da União Europeia, são utilizados recorrentemente para ajuizar das diferenças entre os vários estados.
As empresas recorrem a indicadores similares para se compararem com os concorrentes – diz-se que fazem o benchmarking –. Mas não permitem que eles substituam o delinear da sua orientação global − da sua missão e dos seus grandes objectivos −.

Mas na governação de um país pequeno e com poucos recursos, o seu emprego sistemático esconde a falta de orientação, leva a enormes desperdícios de energias e de recursos.
Governar é, sobretudo, orientar, optar por fins e rumos para os prosseguir, para dessa forma se alocarem mais eficazmente os sempre escassos recursos e energias.

Há uns dois anos, assisti à divulgação de medidas de formação para as gentes de um pequeno município. Foi no seu teatro municipal. A formação estava toda pensada e até já havia financiamentos. Quando perguntei formação em quê, com que destino, em que faria progredir o concelho, o presidente da câmara, que ainda o é, explicou-me que a formação visava recuperar atrasos que os indicadores evidenciavam, e que até já estavam a fazer um plano estratégico para o concelho…
Ou seja, primeiro gastava-se dinheiro em formação avulsa e depois se cuidaria de saber qual o futuro do concelho, de quais as actividades a nele fomentar!

Mas é precisamente isto o que os nossos sucessivos governantes vêm fazendo. Governam para nos aproximar da “média” neste e naquele indicador, sem cuidar de se interrogarem onde é importante superar a média e onde estar abaixo da média não apresenta qualquer inconveniente. Porque tal depende dos fins a atingir e dos rumos escolhidos para o fazer. Se, por exemplo, se elege como um dos fins do país o explorar os recursos do mar, que importa que num indicador relativo ao investimento em investigação e desenvolvimento estejamos abaixo da média, se no indicador do investimento em investigação e desenvolvimento em recursos marinhos estivermos bem acima?

E há que notar que os indicadores nos revelam o passado e, quando muito, a situação actual. Ora um mundo em mudança, o governante empreendedor sabe que o futuro é que condiciona o agir no presente; por isso ele perscruta no futuro oportunidades e ameaças que se colocam ao seu país; depois, estima as competências do país, face às dos outros países − e aqui, os indicadores podem ajudar um pouco − ; e, finalmente, com base nessa análise, traça fins e rumos para os prosseguir. Pode acontecer que, para certos fins/rumos interessantes, se torne necessário reforçar competências do país e aí há que investir em fazê-lo.

Este proceder, ao aceitar que o agir no presente seja mais comandado pelo futuro do que pelo passado, acarreta normalmente profundas mudanças; roturas com interesses, hábitos e costumes que estão instituídos. Há então que revelar uma faceta do político: o saber preparar a mudança, o saber preparar pessoas e instituições para um agir diferente do que foi até hoje.

Mas sendo a mudança demasiada, se não houver o distanciamento bastante a delinear os fins, o governante corre o risco de constantemente ter de rever fins e rumos, ou seja, a perder o rumo… O político tem por isso de ser visionário, de ser capaz de delinear os fins distanciado do presente, dos interesses instalados, das paixões, para que aqueles possam perdurar por um período de tempo apreciável (dez, vinte anos?). E, ao traçá-los, deve reunir vastos consensos e, sempre, a adesão do principal partido da oposição; esta é uma condição sine qua non para garantir a necessária mobilização de esforços para a posterior acção.

Mobilizam-se desta forma energias e vontades, canalizam-se os recursos para o essencial, ou seja, para o efectivo aproveitamento das oportunidades que se oferecem ao país e para o evitar de ameaças que se lhe coloquem, minoram-se desperdícios.

Governar exclusivamente por indicadores significa, em última análise, admitir que o futuro constitui uma mera projecção do passado, posição insustentável em tempos de acentuada mudança. E torna também mais difícil conter as pressões dos interesses instalados que, como tal, radicam normalmente no passado.

O que proponho nada tem de novo para os homens das empresas. Mas a sua aplicação à governação de estados exige políticos visionários, fortes, determinados e com capacidades de diálogo e de persuasão.

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