terça-feira, agosto 23, 2005

A QUESTÃO DO MOBILIZAR DO PAÍS

Escreve o Sr. Manuel Carvalho, no editorial de hoje do Público, e bem, que falta a Sócrates a capacidade de mobilizar o país.A questão é exactamente essa. Mas ela assume um elevado grau de dificuldade no seio de uma cultura permissiva, dependente e, principalmente, gregária. É nesta “forma de fazermos as coisas”, como alguns têm lembrado, pontualmente, que reside o nosso problema de desenvolvimento.

Não quero insistir, embora não fosse demais, na enumeração das características culturais que nos tolhem. Mas sobre uma, badalada em termos de factos, mas menos badalada em termos do conhecimento existente sobre as culturas, convém chamar a atenção. É a questão do nosso elevado índice de colectivismo (factor observado por Hofsted), ou seja, a tendência do português se integrar em grupos (poderia ler-se, pejorativamente, "panelas") na expectativa de que o grupo defenda os seus interesses, em contrapartida de ele defender os interesses dos outros membros do grupo, independentemente da racionalidade do tema em causa e, portanto do interesse do país. Ora esta característica é inadequada no mundo actual. Ela cria como que "teias sociais" que enleiam a iniciativa individual, essa sim, fundamental num mundo cujo presente já não se faz do passado, mas antes do futuro. Cerceia a mobilidade, a criatividade, a capacidade de fazer acontecer. Noutros países, alguns mais desenvolvidos que nós, este impacto negativo do gregário também se faz sentir. Cito um amigo que, tendo recentemente visitado a China e o Japão, me dizia, sobre este último: "... e o Japão parece que parou no tempo! Há vinte anos que lá não ia e parece tudo na mesma!"... Pergunto-me se haverá país mais gregário que o Japão, embora por razões muito distintas das nossas, obviamente.

Esta é uma das razões porque sustento que o 25 de Abril não foi uma revolução. Efectivamente, nem a estrutura fundamental do Estado Novo foi destruída − a sua administração central −, nem a cultura foi profundamente alterada. Ora uma e outra vão a par, já que a estrutura fascista dita o o cidadão deve fazer no quotidiano, retirando-lhe a individualidade. Exagerando, diria que a nova elite simplesmente se apropriou dessa estrutura para os seus fins e não libertou as “potencialidades de fazer” da classe civil. Não! Na prática, não houve uma autêntica revolução com o 25 de Abril, infelizmente. Tudo continuou e parece continuar a ser feito na mesma.

Um dos melhores primeiros-ministros que tivemos, Cavaco Silva, não teve infelizmente a visão requerida sobre esta questão e fortaleceu ainda mais o aparelho administrativo, em lugar de o desmantelar. Assim contribuiu para o aprofundamento óbvio daquela tão negativa característica cultural. [É curioso como, entre nós, os sucessivos governos à direita tendem a tomar medidas à esquerda e os de esquerda medidas à direita. Talvez que tal se deva à tibieza dos governantes neste caldo cultural.]

E agora? Agora, temo pelos nossos filhos. Era necessário existir uma elite com fé, que promovesse num projecto mobilizador de vastas camadas e interesses do país. O recurso aos tradicionais grandes investimentos − OTA, TGV, etc. − e à construção de outras infra-estruturas − como o plano tecnológico − não conseguem iludir a questão de qual é a nossa vocação, ou quais são as nossas vocações, como país. Será isto tão difícil de compreender, pois é disso que temos de tratar? Não faz sentido mobilizar as vontades em torno da construção de infra-estruturas. Estas servem de apoio a futuros que estão por assumir e não são um futuro em si.

As vontades mobilizam-se em torno de projectos que aproveitem as oportunidades, evitem os escolhos, e que assentem em potencialidades que possuímos e os outros não. Um desses projectos poderia ser o do turismo sénior em muito grande escala, tendo por mercado alvo os países frios da Europa, projecto que abordo noutros tópicos deste blog, nomeadamente, no "OUSE, SR. PRIMEIRO MINISTRO".

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