domingo, agosto 14, 2005

PARA A PSIQUIATRIA E PARA A ANTROPOLOGIA DO SÉCULO XXI

Três grandes tendências já começaram e continuarão a afectar o comportamento humano no século XXI.

A primeira, que já se faz sentir desde a segunda metade do século passado, tem a ver com a importância do futuro no moldar das nossas acções no presente. Na realidade, ao longo dos séculos, o futuro era considerado um prolongamento do passado. O saber e a experiência, a cultura adquirida, eram as bases com que o homem construía o seu futuro. Ora a inovação tecnológica em todos os campos, mas especialmente nos da comunicação e do tratamento da informação, levou a que o futuro deixasse de ser uma mera projecção do passado, na medida em que as inovações, a uma cadência cada vez mais acelerada, lhe criavam descontinuidades. E o psíquico do homem, forjado na sua vivência passada, passou a ter de se reger pelas incertezas do futuro. E, deste modo, se foi a tradicional sabedoria do ancião, pelo menos em muitas das suas facetas.

A segunda tem a ver com o impacto na comunicação interpessoal que a formidável, e cada vez mais acelerada, expansão do conhecimento acarretará. O alargar deste obriga à especialização dos homens e das suas organizações. Nas organizações aí temos o outsourcing (aquisição a terceiros das tarefas que não se enquadram naquelas em que somos especialistas, mas necessárias para as complementar) −. Nos indivíduos, cada vez mais especializados, que não podem, só por si, abordar um problema em todas as suas facetas, surge o trabalho em equipa, surge o networking. Contudo, com o ritmo previsto para o alegar do conhecimento, tal não bastará, já que o discurso verbal será uma limitação para as necessidades de comunicação requeridas pela aplicação de tais imensidades de saber. Na realidade, o discurso, fonte da supremacia do homem no reino animal e construtor do desenvolvimento das sociedades, é muito limitado face às nossas capacidades cerebrais de tratamento de informação. Daí o dito do povo de que “uma imagem vale por mil palavras”, daí a preferência das crianças na comunicação pela imagem a que, finalmente, alguns começam a dar a relevância necessária. Os homens terão pois de encontrar um meio de comunicação − biónico ou outro − que lhes permita comunicar mentalmente entre si. Sem o que o avanço do conhecimento será travado ou passaremos a depender exclusivamente das máquinas.

O terceiro está ligado com a morte, cada vez mais longínqua. Ora a morte é determinante no moldar do comportamento de cada um. Se a vida é curta, há que a aproveitar o melhor possível e que não cuidar muito do futuro. Mas se a vida é longa, há que garantir condições de sobrevivência para futuros mais distantes. Não só pessoais, mas também do meio ambiente. Curiosamente, por mais que diga aos meus filhos que têm um horizonte de vida de uns 130 ou mais anos, que só se reformarão lá para os 110 e que neste lapso de tempo muitas coisas acontecerão, parece-me que eles se continuam a comportar como se tal não fosse uma realidade.

É claro que muito se poderia especular em torno destas três tendências, que aqui só introduzo. Contudo, talvez convenha recordar um outro aspecto, omnipresente, mas que, em última análise, se enquadra na segunda tendência acima referida: a questão da alteração do ritmo do tempo psicológico. Na realidade, num mundo em que aumenta a concentração dos acontecimentos por cada unidade de tempo cronológico (do relógio), o tempo psicológico tende a ser menor, ou seja, “o tempo passa muito depressa”. Também este factor afecta apreciavelmente o nosso comportamento.

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