quarta-feira, agosto 17, 2005

O PLANO TECNOLÓGICO DO SR. SÓCRATES

Preocupa-me a maneira como estamos a ceder à tentação de olhar a tecnologia como solução global para os nossos múltiplos males. Muitos de nós acreditamos que é a técnica que nos vai salvar do atraso. Essa crença deixa-nos vulneráveis a uns tantos vendedores de produtos mágicos. O futuro não seria apenas melhor − como diz o “slogan” − mas fácil, tão fácil como digitar num teclado. Para sermos como eles, os desenvolvidos, basta preencher uns tantos indicadores nos critérios dos consultores e, num ápice, entramos no clube.

Sabemos que não é verdade. Desconheço por que motivo queremos ser como «eles» e não como nós mesmos, seguindo caminhos nossos para destinos que nós próprios inventamos. O que nos separa da riqueza são, sobretudo, questões de natureza não técnica. São atitudes, vontades, uma determinação política e uma postura do domínio da cultura. Digitalizar não nos converte em seres modernos. Encostar a orelha num telemóvel não nos torna produtores de coisa nenhuma. Caso não venhamos a exercer alguma soberania em actos que, afinal, são de cultura, entramos nesse universo a que chamamos sociedade digital como um mercado menor, um pequeno parceiro da periferia.


N.B. − Este trecho é um excerto de uma palestra proferida por Mia Couto na Conferência de Telecomunicações de Moçambique, em Abril de 2001. Faço a transcrição, com a devida vénia, sabendo de antemão que me daria a sua aprovação, quanto mais não fosse pelo demonstrar de quanto o provincianismo continua ainda a afectar a antiga “potência colonizadora”. Alterei somente as palavras em itálico, por me parecerem mais adequadas à situação vertente. O título é, obviamente, meu.

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