quinta-feira, outubro 02, 2008

A ACTUAL CRISE FINANCEIRA COMO RESULTADO DA CRISE DA ÉTICA


Deve ser o mercado a resolver a actual crise financeira?


O mercado funciona como sempre funcionou: até um certo ponto. Para além dele a regulação é necessária, porque ele parece não se auto-controlar.


Por um lado, não se pode ignorar os ensinamentos da teoria da evolução aplicada ao processo de desenvolvimento das sociedades, ensinamentos que levam a considerar o mercado como o mecanismo fundamental para uma constante adaptação ao progresso.

Por outro lado, os modelos de simulação estocástica actualmente utilizados parece terem vindo a evidenciar que o mercado totalmente livre é gerador de desigualdades que ferem os valores humanos da justiça social.


Havendo, assim, que temperar o mercado com mecanismos de regulação, estes mecanismos podem advir do poder central ou da sociedade em si. Dada a normalmente pouco eficiente regulação conduzida pelo Estado, parece-me que o ideal é que as sociedades encontrem em si aqueles mecanismos de regulação. E advogo que tal se faça por um retorno à ética.


O mercado não funciona? Mas o que poderá funcionar num mundo em que povos passam fome e são chacinados por déspotas protegidos por grandes interesses económicos internacionais? O que poderá funcionar num mundo em que em que a Madona aufere em três concertos o que a população de S. Tomé produz num ano? O que poderá funcionar num mundo em que em que transferências futebolísticas atingem largas dezenas de milhões de euros? O que poderá funcionar num mundo em que em que os gestores ganham somas astronómicas pela obtenção de enganadores resultados de curto prazo? O que poderá funcionar num mundo em que os homens ainda não aprenderam a conviver na ausência de Deus e na ausência desse outro deus que foi o marxismo?


Os agentes do mercado são mulheres e homens que agem consoante a cultura que os condiciona. Se não existe consenso quanto à necessidade de existirem padrões éticos de convivência social e mecanismos que os divulguem e vigiem a sua aplicação, é natural que o mercado passe a reflectir os comportamentos anómalos.


E não restrinjo os padrões éticos às questões económicas e financeiras, obviamente. Na realidade, as consequências dos avanços exponenciais do conhecimento e da demografia obrigam-nos a uma nova atitude perante a ética: à humildade de que ela nunca estará acabada, tendo constantemente de ser deduzida dos princípios que formos considerando como duradouros.


Há que ser abrangente, que pugnar por uma sociedade toda sã. E porque a inverdade é a pior ferrugem da ética, há que rejeitar frontalmente muitos de pretensos padrões éticos, que anquilosadas religiões e alguns grupos sociais procuram sustentar para além do razoável. Estou a falar do fim da família como base das sociedades no mundo ocidental, estou a falar do reconhecimento da existência das tendências homossexuais, estou a falar da proibição da eutanásia, estou a falar em substituir o perseguir da enganosa igualdade pela promoção da complementaridade das diferenças e do respeito pelo outro, por exemplo.


Pegando na questão da família, a mero título de exemplo, parece-me que, no mundo dito ocidental, sendo ela uma instituição cada vez mais débil, é perigoso pretender continuar a assentar nela a construção de todo o tecido social. Enquanto não existirem outras instituições que a possam substituir de uma forma credível em tal papel, conviria que não persistir em lhe atribuir uma importância que ela já não tem.

O persistir em conservadorismos enganadores é como defender o criacionismo e o mercado em simultâneo, esquecendo que este é uma consequência óbvia da perspectiva evolucionista. E tal persistir é tão funesto para a construção da verdade quanto o é a precipitação frequente de muitos ditos progressistas.


A ética é pois a questão de fundo. Os revolucionários dirão que a menorização da crise pela intervenção dos Estados iludirá essa questão  de fundo e defenderão que só um acentuado trauma social propiciará as condições requeridas para construir o futuro. Os reformistas defenderão o intervencionismo na actual crise, supondo que ela será lição bastante para se irem gradualmente introduzindo as alterações sociais requeridas.


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