segunda-feira, outubro 27, 2008

CRÉDITO


“Dar crédito” significa também, pese embora aos caloteiros e aos que vivem de os fomentar, acreditar, confiar.


Há umas décadas atrás, lembro-me de o general de Gaule defender que o valor do dinheiro devia assentar no padrão ouro. Ou seja, por cada nota em circulação, deveria estar depositada no banco central uma certa quantia de ouro que constituía a garantia do seu valor. Entretanto vieram outros que disseram que faria mais sentido garantir a nota com a participação nas divisas de outros países depositadas no mesmo banco. Vieram depois empresas privadas que imprimem legalmente, imagine-se!, não notas, mas cartões de crédito e de débito que valem mais que um montão de notas.


A procura de bens pode ser estimulada   ̶  oh publicidade!   ̶ . Mas daí à compra vai um passo crucial: é preciso liquidez (dinheiro) ou crédito (que não é já o acreditar, o confiar que se vai pagar). Pelo parágrafo anterior seria logo fácil concluir que a efectivação da compra se faria nomeadamente pela via do crédito. Mas o Sr. Greenspan e as suas réplicas por esse mundo fora, quiseram ignorar a evidência na busca da glória (?). Foi necessário acontecer a crise e agora, os bancos centrais têm de injectar milhares de milhões   ̶  dos justos e dos pecadores   ̶  em liquidez para tentar que o barco não naufrague!


A questão é contudo mais funda. É ética. Exemplifique-se com o conúbio entre estímulos à procura e a concessão do crédito.


Vai para uns quatro anlos, quis adquirir na Rádio Popular (na loja do Norteshopping, em Matosinhos) uma série de electrodomésticos no valor de mais de três mil euros, para equipar a minha nova habitação. Como nunca tinha comprado nada ̶ para além da habitação ̶ recorrendo a crédito, solicitei que me fizessem o desconto dos juros, já que existia um anúncio referindo a possibilidade de pagamento em doze meses sem quaisquer encargos. Fiquei surpreendido quando me informaram que não podiam fazer qualquer desconto. Perante a minha insistência, de quem não compreendia porque se “oferecia” o montante de juros e não se fazia o correspondente desconto a quem quizesse pagar a pronto, lá acabaram por me fazer um desconto de ... 0,5%!


Depois deste episódio outros idênticos vieram. Estou ainda a pagar o funeral de minha filha, porque recusando-se a Servilusa em me fazer o desconto correspondente aos “trinta meses sem juros” que propagandeava, optei pela via "das prestações". Também na compra de um PDA na Worten Mobile tomei idêntica opção pelas mesmíssimas razões.


A indignação foi-me crescendo. Imaginava os excessivamente bem pagos gestores yuppies do Sr. Belmiro de Azevedo e de outros a fazer o “patrão” lucrar de alguma forma invía. Então assaltou-me a ideia de que a coisa passava pelas empresas de concessão de créditos ao consumo, empresas normalmente de bancos, que concediam crédito. A coisa, no meu espírito, devia passar-se assim.


O comercial de uma dessas empresas ia ter com o gestor yuppie, com diploma de MBA provavelmente, mas com pouca ética certamente, e propagandeava-lhe as vantagens que teria em pôr os seus clientes a recorrer ao crédito da sua empresa. Ademais, livrava-se do problema de garantir a cobrança. Claro que o juro seria mais elevado, mas quem o pagava era o cliente e não a loja (cadeia de lojas)... No seguimento da negociação sobre o valor da taxa de juro a praticar, e para garantir a competitividade dos produtos do nosso yuppie, o dito comercial proporia então praticar um juro um pouco mais baixo desde que a loja (cadeia de lojas) não fizesse qualquer desconto, na tentativa de garantir que todos recorreriam à compra a crédito.


E desta forma tive de me enredar com esta gente. Ainda pensei em ir para a imprensa e bradar pelo atropelo da minha liberdade (constitucional?) de comprar ou não a crédito. Mas a imprensa... Não é mesmo que toda a gente compra a prestações?


Um comentador do Expresso deste fim de semana escrevia sobre a perda da virtude nos nossos dias, como a razão funda da crise. Que um senhor com um nome estrangeiro de que não me lembro assim o dissera. Reconforta-me tal reconhecimento. 

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