sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O ESTADO SOCIAL

Nas sociedades mais desenvolvidas, à medida que a esperança de vida aumenta e à medida que aumenta o conhecimento na área da saúde, os gastos sociais com a segurança social, saúde incluída, têm crescido apreciavelmente acima do PIB. Para lá de ser o Estado ou de serem os cidadãos a pagá-los, a questão de fundo, a de largo prazo, é a de que, a continuar tal ritmo de crescimento, tais custos tornar-se-iam socialmente incomportáveis, já que poderiam atingir, dentro de duas ou três décadas, mais de 40% do PIB.

O mesmo problema se coloca relativamente à educação. O explosivo crescimento do conhecimento implica acentuadas mutações nas sociedades, e um e outras obrigam a um crescendo das necessidades de formação, seja ela inicial, seja ela ao longo da vida. Também aqui, a manterem-se os seus anteriores ritmos de crescimento, os custos tornar-se-iam socialmente incomportáveis, fosse quem fosse a pagá-los.

Em tais circunstâncias, a actual discussão sobre quem paga − se o Estado, se os cidadãos, e em que percentagens −, discussão a que a esquerda se limita e em que a esquerda se limita, tende a iludir a dita questão de fundo, a de encontrar soluções sustentáveis em termos do largo prazo. E os cidadãos, que dizemos repetidamente não serem estúpidos, apercebem-se disto, e julgam assim aperceber-se de que falta à esquerda o sentido de Estado, por não cuidar do futuro.
Ao enfatizar a discussão e ao propor soluções para o agora, ou seja, ao aceitar colocar a questão no mero curto prazo histórico, a esquerda entrega assim de bandeja a credibilidade e os votos ao campo liberal.

Ora estes, por definição, navegam ao sabor das ondas dos momentos. Mas aqui, curiosamente, colocam a questão da impossibilidade de o Estado continuar a pagar a factura do social no futuro. Dão a entender que se preocupam com o futuro. Mas, simultaneamente, cuidam de ocultar que também a sociedade civil a não poderá pagar, se mantiverem os seus ritmos de crescimento em relação ao PIB.
Desta feita, os liberais fazem dois em um: contribuem para a aceitação do seu propósito de desmantelar, ou reduzir apreciavelmente o Estado social; e, ao mesmo tempo, apresentam-se aos cidadãos como os mais responsáveis pelo assegurar da sustentabilidade do Estado em termos de futuro, como os mais credíveis em termos de governação.

E os cidadãos não se apercebem de que só fica garantida a sustentabilidade do Estado que os liberais entendem dever ser mínimo, não ficando garantido que a sociedade civil possa arcar com o ritmo de crescimento das referidas despesas.

O rigor deveria obrigar a traçar diferentes cenários de evolução para diferentes soluções que se aventassem e se imaginassem. E só depois de ter meditado sobre tais cenários se deveriam tratar das respostas a dar a no curto/médio prazo.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

REPETE LÁ OUTRA VEZ

Tonho saiu da prisão e emprenhou num baile a Graziela. Teve um filho José.

José não foi carpinteiro, nem foi político. Assim, não tratou do lenho, sagrado ou não, nem se arranjou com vigarices legais. Preencheu-se com a rua, com a preguiça, com o vício, com o tráfico, com a prisão, por esta exacta ordem?

José saiu da prisão e emprenhou numa discoteca a …

terça-feira, fevereiro 07, 2006

SOBRE O QUE BLOGO

Necessariamente sobre mim e os espelhos que me rodeiam. Preocupa-me mais a política, a pintura e a poesia, mas também a literatura que não de cordel.
E isto deve bastar ao http://blogsearch.google.com/.
A LATA DE FERMENTO ROYAL


Nos meus cinco anos, cirandava em torno de minha mãe quando ela se propunha fazer um bolo. E a lata lá estava, com o seu rótulo vermelho. Rótulo vermelho onde havia um círculo no qual figurava a imagem da própria lata! E eu mergulhava no círculo, na lata dentro deste, no círculo desta, na lata ainda mais pequena que lá estava, no círculo desta e continuava sempre, sempre.

Caía em mim e reparava que, afinal, às tantas havia um minúsculo círculo já nada continha. Perplexo e angustiado pela incapacidade do designer, tratava de rapar a massa adocicada que restara na malga onde o bolo fora preparado.

Descobrira o infinito e a impossibilidade de o representar, tudo numa lata de fermento Royal!

A lata e o seu rótulo foram-me perseguindo na vida. Quando me ensinaram filosófica e matematicamente o que era o infinito, eles estiveram contudo ausentes. Mais tarde, muito mais tarde, terei produzido umas quaisquer ligações neuronais, ligações que, segundo Damásio e outros entendidos, condicionam o sentimento e o entendimento, e que me levaram a compreender que aos cinco anos de idade descobrira o infinito, como coisa real, por fora.

Mas a lata e o seu rótulo continuaram a fazer questão em não me abandonar. Li filosofias, religiões, yogas e quejandos. Aprendi que alegrias e cabeçadas neste caminho terreno eram o karma que desvendava o conhecimento que em mim já havia. Mas só hoje, hoje mesmo, quando tomava o meu prosaico duche, produzi mais umas quantas ligações neuronais, percebi que o infinito estivera sempre em mim e que descobri-lo aos cinco anos de idade não foi coisa de monta.

A lata e o seu rótulo foram o seu mero espelho, o espelho do infinito, como coisa real, por dentro.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

LER DEPRESSA

Miúdo ainda, devorava livros de todas as formas, feitios e géneros. Aos 12 anos dei como comigo a ler o Robinson Crusoé. Seguiram-se a colecção Vampiro e todo o Emílio Salgari, um ritmo vertiginoso. Quando me perguntaram como conseguia ler tantos livros, respondia: “Gosto de acção! Só leio os diálogos!”.

Hoje, um colega e amigo contou-me que um antigo professor, o Manuel Miranda, responsável então pela disciplina de Mecânica Racional na Faculdade de Ciências do Porto, teria explicado aos alunos como lia um romance em menos de meia hora, nem que fosse o Ulisses, do James Joyce: começa-se por ler as últimas páginas, para ver como acaba a história; então lê-se as primeiras para se perceber quem é quem; se restarem dúvidas, lê-se algumas do meio…

sábado, fevereiro 04, 2006

AS CARICATURAS DE MAOMÉ

No grão dia singular,
que na lira o douto som
Hierusalém celebrar,
lembrai-Vos de castigar
os ruins filhos de Edom.
Aqueles que tintos vão
no pobre sangue inocente,
soberbos co’ o poder vão,
arraisai-os igualmente:
conheçam que humanos são.

Luís de Camões,
Abel e Sião

Nietzsche compreendeu que Deus deixara de ser enquanto realidade imposta, compreendeu que passara a estar entre nós, em nós, no acompanhar do movimento universal da democratização. Os Mandamentos foram sustituídos, mais tarde, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. E, nas sociedades ocidentais, a que me refiro, os valores são cada vez mais os que cada um constrói para viver.

O caricaturar do Papa, de Cristo, da Senhora ou dos santos, não é pois tomado como real ofensa àqueles, mas antes num sentido metafórico, essencialmente ligado ao facto que se pretende criticar. Porque não respeitam os muçulmanos esta nossa cultura?

Fez bem a Dinamarca em não apresentar desculpas, fizeram mal alguns menos reflexivos dos nossos em censurar “o ferir a susceptibilidade dos muçulmanos”. Cada comunidade tem a sua cultura que deve ser respeitada certamente. Por isso mesmo, os muçulmanos deveriam aceitar que, na nossa cultura, caricaturar Maomé não contém a intenção de o ofender, de os ofender.

As cenas primitivas a que vimos assistindo por parte das comunidades islamitas só mostram a sua dificuldade em tolerar a diferença, em aceitar a democracia e isto num mundo em globalização e democratização. É um prenúncio do seu estertor, de uma desadequação a este novo mundo, como o é o do terrorismo do Sr. Bin Laden.

Coisas do passado que nos atormentam no presente, é certo. Mas que não são adequadas ao futuro e que por isso não sobreviverão.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (5)

4. Como mudar aquelas componentes indesejáveis

A grande questão é de como se há-de promover tais mudanças culturais. Como disse, existe hoje bastante conhecimento sobre técnicas e metodologias para alavancar mudanças culturais. Tais métodos visam refazer as redes neuronais que levam cada um ao seu entendimento do mundo e das coisas, levando-o a adoptar outras formas de o fazer. Quando se trata de sociedades, os meios de comunicação social podem desempenhar um papel relevante no pôr em causa as velhas certezas e no forjar das novas realidades.

Mas profundas alterações no modo como a sociedade portuguesa desenvolve as suas actividades económicas e sociais é, para mim, a chave da questão, o que é realmente necessário para assegurar que as novas realidades se entranhem. Daí que entenda ser fundamental a adopção de dois conjuntos de medidas, em simultâneo.

Um primeiro relacionado com as classes dirigentes, porque a liderança é nesta questão um ponto fundamental, como bem o sabe o povo. Os líderes, como disse, emitem sinais que condicionam o comportamento dos seguidores. Ora uma boa fatia das nossas classes dirigentes, e não só políticas, ou até públicas, mas também privadas, como associações patronais e sindicais, é pouco capaz ou serve-se em lugar de servir. Grande parte é gente pequena, empoleirada em alturas em que se têm de proteger das vertigens.
Haveria que criar condições para que os bons que nelas restam, procurem arrebanhar aqueles que ainda se possam corrigir; que criar condições para que se promovam organizações cívicas, para além dos partidos, afim de gerar novas elites. E haveria que as preparar para contribuírem para a necessária mudança cultural.
Não é tarefa fácil dado o estado de deterioração atingido, pelos muitos telhados de vidro que inibem muitos. Sem resolver este particular aspecto, será difícil uma ampla mobilização. Mas muita coisa se pode e tem de fazer, até apara o apoio ao segundo conjunto de medidas que proponho.

E este segundo conjunto de medidas é a receita liberal: o reduzir drasticamente o aparelho do estado, o aumentar a sua credibilidade e o seu desempenho; o entregar muitas das actuais funções do estado a organizações da sociedade civil; o fomentar um mercado mais livre e concorrencial, em que não se temam as boas gestões estrangeiras − que a independência de uma nação é a das almas dos seus cidadãos e não o do controlo de pseudo centros de decisão económica −.
Seria um crescimento doloroso, estou certo, mas ajudaria a mudar a postura da mulher e do homem português para atitudes mais consentâneas com a sua sobrevivência futura.

Pautando-me, em teoria, por outros catecismos, reconheço ser este o remédio apropriado para o momento nacional.
A ser assim, seria bom que a esquerda abandonasse ideias e vestes do passado, que procurasse vias para evitar ou minorar os reconhecidos efeitos secundários do remédio, e que cuidasse de lhe encontrar alternativas credíveis para o futuro. Pessoalmente, penso que devia pugnar para que os actuais serviços estatais de educação, saúde, de solidariedade fossem sendo progressivamente apropriados por organizações locais radicadas nos seus principais utentes. Penso que deveria pugnar para que se criassem organizações cívicas de cidadania com real poder de intervenção a nível local. Fundamentalmente, contribuir para a criação de um espírito cívico, de solidariedade e de independência no cidadão português.
Seria bom todos acordarmos para o impacto que a cultura tem no nosso futuro. Ignorá-la é escolher a via mais difícil e, portanto, custosa de fazer mudanças. Mas é, sobretudo, aumentar o risco de cometer erros graves na tomada de decisão política. Como no exemplo do prolongar no tempo do imposto da SISA, que acima se viu.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (4)

3. Componentes da cultura nacional que importa mudar (continuação)

Outras importantes características também fortemente vincadas da nossa cultura, já enunciadas por um Verney, por um Antero de Quental, por um António Sérgio, e por vários escritores e ensaístas do século passado são a excessiva dependência homem português e o seu elevado grau de colectivismo. Por um lado, passivo, submisso, dependente, nunca assumido − Jorge de Sena dizia que “o homem português nunca cortou o cordão umbilical” −, característica designada por Hofsted como feminilidade. Por outro, colectivista − significando-se com tal que ele procura a protecção de grupos que lhe defendam os interesses[1] −.
A feminilidade alia-se e potencia a já referida dificuldade dele lidar com o futuro.
O elevado colectivismo indu-lo a constituir grupos que visam mais o defender-se do futuro, que a agir para o aproveitar ou para o procurar influir. Este colectivismo, que também se observa em elevadas proporções noutros povos, como o japonês[2], não é de molde a aproveitar o actual evoluir das sociedades. Na realidade, as sociedades mais individualistas, como a sueca, a australiana e a estado unidense, podem, porque permitem um evoluir mais flexível, em termos darwinistas, responder melhor às profundas alterações provocadas pelo elevado crescimento do conhecimento. Talvez que este factor não seja alheio à estagnação da economia japonesa a partir dos anos de 1990.
Também aqui importa acelerar a mudança destas componentes culturais.

Seria importante mudar outras características culturais, mas, em meu entender, com um menor impacto no nosso futuro enquanto nação.
(continua)

[1] Os povos do norte da europa e os anglo-saxónicos são mais individualistas, significando este termo que cada um assume nas suas mãos o seu futuro, sem necessidade de recorrer ao apoio do estado, família ou grupos de interesse. António Sérgio designava esta atitude de singularismo, optando por designar o colectivismo por comunitarismo.
[2] As razões para o colectivismo japonês são diversas das portuguesas. Terão essencialmente a ver com o manter de características da sociedade feudal anterior à 2.ª guerra mundial, na posterior sociedade industrial.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (3)

3. Componentes da cultura nacional que importa mudar

Aborde-se agora o que considero as características mais inadequadas do povo português face ao momento histórico que atravessa.

A cultura portuguesa foi particularmente dissecada e debatida, a partir do século XIX, por homens de cultura e escritores. Actualmente, existem estudos internacionais que a comparam com a de outros países.

Sabemos hoje uma das características fortemente vincadas da nossa cultura é a dificuldade em lidar com a incerteza do que pode acontecer no futuro, vulgarmente dita como aversão ao risco.
Esta é a razão por que temos dificuldade em planear: é que planear implica o estabelecer de objectivos, estados que se pretendem atingir no futuro; o português arreceia-se de a tal se arriscar e com tal se comprometer; prefere deixar andar, supor que o vai acontecer amanhã é o mesmo que aconteceu ontem; o resultado é o ter de desenrascar, normalmente com custos mais elevados. À escala nacional, eu diria que é o que explica a nossa situação económica neste momento: as classes dirigentes, desde 1985, não planearam em termos estratégicos o futuro da nação, não estabeleceram os grandes objectivos nacionais em termos de sobrevivência e prosperidade, subordinaram-se aos interesses instalados − interesses estes que são necessariamente interesses do passado e, por isso, muitos deles não adequados às necessidades futuras −, deixaram andar e, agora, parece querer desenrascar.
Sabemos que as empresas bem sucedidas, a partir dos anos de 1960, passaram a efectuar o seu planeamento, não tanto em função do passado, mas mais das ameaças e das oportunidades que anteviam no seu futuro. E para o fazer, desenvolveram metodologias adequadas. Tal deveu-se ao crescente aumento do conhecimento humano e, particularmente, às tecnologias de informação e de comunicação, os reais facilitadores da globalização. Tal implicou que cada empresa deparasse sistematicamente com novos produtos concorrentes, com o encurtar dos respectivos ciclos de vida e, também, com novos concorrentes que se apresentavam vindos de algures. Ou seja, o futuro tinha deixado de ser para ela um mero prolongamento do passado como até então o fora.
Hoje, este fenómeno, estende-se a toda a sociedade: o futuro comanda cada vez mais as nossas acções no presente. E, contudo, a nossa cultura, é cunhada, como vimos pelas nossas anteriores vivências, pelo passado. Assim, temos de mudar mais frequentemente e mais profundamente, mas a nossa cultura dificulta-o. As empresas, nomeadamente as estado unidenses, investiram no investigar de como se deve lidar com a resistência que a cultura coloca à mudança, e hoje existe um corpo de conhecimento razoável sobre como o fazer.
Colocada a dificuldade do português em lidar com a incerteza do futuro e compreendido o importante que é agir no presente mais em função dele, no mundo actual, compreende-se a necessidade melhor a necessidade imperiosa de acelerar a mudança desta nossa componente cultural.
(continua)