terça-feira, janeiro 31, 2006

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (2)

2. Como se forma e como se muda a cultura

A cultura forja-se das experiências do viver, do superar das dificuldades e traumas, da alegria das conquistas. Em suma, é o passado que a cunha na memória de cada um. Ela adquire-se, pois, pela aprendizagem/vivência que cada membro da sociedade nela faz, seja na família, seja na vizinhança, seja na escola, seja no grupo de amigos, seja no clube, seja na organização onde se trabalha. Este processo de aprendizagem de cada um é condicionado geneticamente pelas características de cada um e é também condicionado pela aprendizagem e pelas experiências vividas anteriormente, nomeadamente as mais traumatizantes.
Damásio diria, eventualmente, que a cultura se entranha em cada um através da formação (e destruição) de redes neuronais, redes que constituiriam os marcadores somáticos do processo decisório. Ou seja, as vivências/aprendizagens de cada um conduziriam à formação de redes de neurónios que condicionariam o processo segundo o qual o indivíduo interpreta a realidade exterior e produz a resposta aos estímulos sentidos.
Numa perspectiva sociológica, convém notar que Marx assentou a sua perspectiva da história na hipótese de que a cultura é condicionada pelo modo de produção da sociedade. Ou seja, a forma como uma comunidade desenvolve a actividade económica tem um grande impacto na sua cultura. Acredito que, se vivesse hoje, encontraria como verdade mais ampla o assentar aquele condicionamento na tecnologia ou tecnologias, latus sensus, empregue pela sociedade.

Cada um reflectir no processo de formação da cultura, procurando em si exemplos que conheça, é um exercício importante para melhor assimilar o seu impacto no devir de uma sociedade. Embora ao longo deste texto vá citando aspectos que contribuem também para tal fim, parece-me importante citar exemplos

Um, o exemplo do impacto negativo que o prolongar do imposto da SISA teve na cultura nacional. Realmente, o prolongar no tempo de imposto tão descabido, permitiu elevadíssimas margens de lucro às empresas do sector, pela via da fuga ao IRC. Ora quando há elevadas margens de lucro, não se necessita do rigor, da boa gestão, como acontece na maioria dos negócios. Tal fomentou, pois, nas empresas do sector, a prática de todas as espécies de desperdícios, de improdutividades, de negociatas de momento, de incompetências, de fraudes. Ora sendo um importante sector de actividade nacional, quem nele trabalha e quem com ele convive oito ou mais horas diárias da sua vida, adquire esses maus procederes e transporta-os para a vida da comunidade. Também a generalizada constatação de que os agentes do estado responsáveis pela avaliação do real valor dos imóveis conviviam bem com a fraude generalizada ao estado, contribuiu, como continua a contribuir em casos similares, para moldar o proceder do homem comum português. Porque a cultura se faz de vivências.

Outros exemplos significativos de como a cultura se faz radicam no forte carácter simbólico dos actos dos dirigentes. Sabe-se que os actos destes têm um profundo impacto nas respectivas sociedades. Não importa tanto o que o chefe diz, como aquilo que ele faz. Que importa que o chefe diga que nos devemos preocupar mais com o planear as coisas se, no dia a dia, tudo o que ele faz é desenrascar? Os seus colaboradores, como ele, tratarão de desenrascar. Ora dar o exemplo não é atributo da grande maioria dos nossos dirigentes, nomeadamente dos da classe política. São sinais incorrectos que são enviados ao homem português e que ele interioriza na sua cultura.
(continua)

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Entendi que seria interessante colocar aqui um texto que fui elaborando sobre a cultura portuguesa e o seu impacto no devir português. A extensão do texto leva a que eu o vá colocando, em partes, ao sabor da vida deste blog.

A CULTURA NACIONAL, CAUSA PRIMEIRA (1)

Surpreendo-me amiudadas vezes em deparar com gente com responsabilidades e uma tremenda ignorância sobre o impacto social da cultura. “Nunca tinha pensado nisso!”, “Realmente…”, são confissões que vou escutando. E a questão é que a causa primeira da actual crise portuguesa é a cultura nacional, a forma de ser dos portugueses, a forma de fazerem as coisas, sempre ignorada por eles, pelas suas elites, pelas suas classes dirigentes. E também o é de uma boa parte da europa, da velha europa, termo que, conforme resulta do que adiante digo, me parece correctíssimo.

Aqueles que pretendam fazer política séria, com rigor, têm a obrigação de compreender como a cultura condiciona o debate e a resolução das questões sociais, políticas e económicas, têm a obrigação de compreender como a cultura se faz e têm a obrigação de compreender como a cultura se muda e de que hoje há conhecimento sobre o acelerar dessa mudança.
Urge mentalizar elites e urge renovar elites, elites que o saibam e o usem no garantir de um futuro para a nação.


1. O que é a cultura

Comecemos antes do mais em situar o que se entende por cultura. A cultura de uma sociedade manifesta-se nas atitudes e nos comportamentos dos seus membros. Daí que os americanos digam, de uma forma simplista, que a cultura é “a forma como fazemos as coisas por aqui”.
Os comportamentos e atitudes resultam das crenças e valores − aquilo em que os membros da dita sociedade acreditam e aquilo a que, embora eventualmente não pratiquem, atribuem importância −. Em muitas sociedades tradicionais, por exemplo, havia a crença de que a velhice significava sabedoria e, nessa medida, os velhos eram particularmente respeitados, através de atitudes e comportamentos ajustados dos demais membros dessas sociedades. Valores e crenças vão-se alterando, embora mais lentamente que as atitudes e comportamentos. Mas existe cada vez mais conhecimento sobre como o fazer.
Por sua vez, valores e crenças assentam em algo mais profundo, as ditas assunções básicas, um conjunto de premissas fundamentais, mais profundamente entranhadas em mecanismos do inconsciente e, por isso mesmo, mais dificilmente modificáveis. Há quem sustente que tal só é possível com a ocorrência de acontecimentos traumatizantes, através de profundo sofrer.
(continua)

domingo, janeiro 29, 2006

quinta-feira, janeiro 26, 2006

O TURISMO RESIDENCIAL

Demorou a entrar nas mentalidades das gentes, mas cá está ele, ao fim de muita labuta de alguns mais preocupados com as vocações do país. Venho a dois reparos. Um sobre nosso permanente evitar do futuro pelas nossas gentes, classes dirigentes − sejam políticas, sejam empresariais − incluídas. Outro sobre a incompetência governativa relativa ao tratar das questões desse mesmo futuro.

Sobre a primeira há que constatar o facto de as classes dirigentes não tomarem atitudes proactivas em relação ao futuro, antes sendo coagidas pelos acontecimentos no presente, o que não lhes permitiu apostar mais cedo no turismo residencial, com tal podendo ter minimizado a actual crise económica.
Uma simples análise estratégica, uma análise SWOT na terminologia anglo-saxónica, sobre as vocações do país, teria ajudado a detectá-lo há alguns anos. Mas nem políticos, nem empresários o fizeram, entretidos que andavam na exploração de passados moribundos. E só ficará de lição, se os visados se aperceberem do disparate − o que duvido, porque lhes falta a necessária capacidade da autocrítica e lhes sobra o provincianismo − ou se, o que vai dar no mesmo, mudarmos os actuais paradigmas culturais e o homem português se tornar independente, capaz de desenhar o seu futuro e de o influir, sem recorrer ao Estado, à família ou às panelas, ou às paróquias, ou outros que lhe aproveitam.

Sobre a incompetência governativa no lidar com as novas questões que se colocam, ela resulta em grande parte da anterior atitude de governantes e altos funcionários. A questão que coloco é bem simples.
Tenho em meu poder um estudo da opinião de cidadãos ingleses e alemães que pretendem comprar casa em Espanha − os cidadãos oriundos do Reino Unido e da Alemanha representam 80% dos cidadãos estrangeiros que aí o fazem −. É um estudo realizado pela maior empresa espanhola de estudos de marketing imobiliário, a Grupoi (www.grupoi.es). Quando olho para o que eles preferem e o que procuram evitar, vejo que serão necessárias medidas legislativas que lhes possibilitem fixar aqui residência rapidamente e de forma permanente, que lhes permitam mover-se facilmente nos nossos meios bancário e segurador, que lhes permitam prover às necessidades eventuais de saúde, etc. E necessário se torna fomentar a existência de toda uma série de serviços de apoio à sua integração em Portugal. Será que o governo e os nossos altos funcionários se preocuparam em estudar o que de necessário se torna fazer ou, como desconfio que irá acontecer, vão andar a reboque das necessidades, emperrando e dificultando o que poderá ser um dos grandes sustentos da nação?

quarta-feira, janeiro 25, 2006

AS NOVAS ELITES

Com Guttemberg o conhecimento multiplicou-se, criou ele a elite do renascimento.

Com a internet, o conhecimento exponencia-se, pertence a cada mulher e a cada homem, desfaz ele as elites que o apropriavam.

As novas elites assentarão no meta-conhecimento e no espírito.

terça-feira, janeiro 24, 2006

ALEGREMENTE ABORTARAM

Entenderam os dignatários da candidatura de Manuel Alegre eleger o aborto como a grande causa a que devem devotar os seus esforços.

Ignoraram o sentido profundo do mais de um milhão que nele votou, ignoraram − aliás nem tal lhes deve ocorrer − a necessidade de se construir organizações que suportem a intervenção cívica, em tempos do necessário reduzir do aparelho do Estado.

Esquerda passadista que não atina realmente com a importância de refazer as suas perspectivas em tempos de neo-liberalismo.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

RESCALDO ELEITORAL

Ao pequeno almoço, dizia à minha mulher que instabilidade política poderia vir mais de uma desavença José Sócrates/Manuel Alegre, que de outro lado. Abro o Público e reparo que António Barreto também se inclina para tal opinião.

A questão de fundo, para além dos protagonistas, é o sentimento de muitos portugueses estarem agastados com os partidos, o sentimento de que entidades com tantos vícios, tão fechadas e tão pouco transparentes não bastam para apoiar a construção do futuro. Penso que este sentir vai muito além do milhão de votos que obteve Manuel Alegre.

O mesmo António Barreto dizia, na edição de Domingo do mesmo jornal, que a tarefa do futuro Presidente da República deveria ser sobretudo orientada pela luta contra a corrupção e, portanto, pelo repor de uma justiça operante, baseando-se no Governo para o fazer.
Ora não me parece que ao futuro Presidente da República baste o Governo para reduzir os actuais níveis de corrupção, pelas evidentes ligações que este tem ao partido que o apoia e que por isso lhe colocam constrangimentos.

Para além disso, penso que construir o futuro português implica mais do que o combate à corrupção, que é certamente importante. Temos de procurar na cultura, no modo como fazemos as coisas, as causas do nosso torpor e não que as imputar unicamente à pouca lisura das classes dirigentes. E a grande questão que se coloca é a da drástica redução do peso do Estado, não só na economia, mas no dia a dia da vida da mulher e do homem portugueses. Sem tal redução, os portugueses continuarão dele dependentes, continuarão passivos, continuarão não actuantes. Em tais circunstâncias não há autêntica independência nacional nem há um acentuado progresso nacional, que não meramente económico.
Reduzir o Estado implica mais sociedade civil. Implica mais iniciativa do mercado. Significa, para que nos acautelemos de efeitos nefastos do neo-liberalismo, que haja na sociedade civil organizações de cidadãos capazes de assumir funções hoje na alçada do Estado. Nomeadamente no apoio às actividades de bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos. O reconhecimento efectivo da importância deste papel dos cidadãos, para além dos partidos políticos, permitiria a Portugal dar um salto para uma sociedade mais liberal, mas também mais justa.

Ora Sócrates, contrariamente aos mais que o milhão de votos em Alegre, não parece subscrever esta necessidade de participação dos cidadãos; na sua autenticidade, ele dispensa os cidadãos, como dispensaria a justiça, como dispensaria o Presidente da República, se pudesse; não o digo por mal, mas porque me parece ser essa a sua natureza (que ele, obviamente, tentará combater!). Quanto a Cavaco, por um lado é um homem de serviço, distante dos partidos, o que poderia levá-lo a reconhecer a bondade de organizações cívicas para além dos partidos; por outro, sinto-o um homem só e sem uma cultura sólida, o que disso o afasta.

É neste enquadramento global que Manuel Alegre e o movimento de apoio à sua candidatura se terão de situar, não podendo ou, pelo menos, não devendo, colocar em risco a actual legitimidade governamental.

domingo, janeiro 22, 2006

FOTO MARAVILHOSA N.º 1

Esta e outras fotos, foram-me enviadas por não sei quem e feitas por não sei quem. Aqui fica com a devida vénia.



sábado, janeiro 21, 2006

OUTRA VEZ A INDEPENDÊNCIA NACIONAL


Ao ouvir alegar alguns ditos patriotas sobre a necessidade de manter os centros de decisão de grandes empresas portuguesas em mãos nacionais, pergunto-lhes se tal motivo, para a política prática, não será afinal de secundária importância. Proponho-lhes a ideia de que as razões supremas, nas cousas humanas, devem ser sempre as espirituais: e concluí daí que o nosso povo tem todo o direito de manter-se livre − sem necessidade de distinções quanto a quem controla tais centros − desde que queira realmente sê-lo. O essencial fundamento da independência é que haja nas almas dos portugueses um apego tenaz à autonomia. O remédio para a absorção não é o de mostrar o controlo de decisão de tais empresas: é o de manter nas almas dos cidadãos o amor candente da liberdade. Esse amor (e não as origens dos capitais em tais empresas, nem o propalado poder de decisão, nem os gestores estrangeiros) nos pode defender da absorção espanhola.

Os povos maiores que os seus vizinhos, ou quase tão grandes como os seus vizinhos, conservam naturalmente a independência, como simples efeito do seu tamanho. Não é necessário à nação espanhola um amor à liberdade muito intenso para não ser submetida pela portuguesa: basta-lhe para isso ser maior do que nós. Os portugueses, pelo contrário, não podem dever a autonomia à simples grandeza do seu país; hão-de ser livres, tão-só, pela vontade enérgica de serem livres. Como as nações pequenas, vizinhas de grandes, tem por necessidade ser assim.

É que um certo carácter ou um modo de ser, uma dada atitude do espírito, quando existe, não se pode manifestar num sentido só: manifesta-se em todos e em geral. Quem tem o amor da independência, não o tem somente em relação a A, ou a B, ou a C: exerce-o sempre em relação a tudo. O mesmo espírito de liberdade, que um homem revela com a gente de fora, usa-o com o governo do seu próprio país. Aquela forma de mentalidade que conferiu aos habitantes das montanhas suíças uma tão difícil independência em relação às gentes que os circundavam − não seria essa mesma que deu aos suíços a sua índole republicana? E de igual modo, certas propensões dos portugueses, de que resultou a independência em relação à Espanha, não serão as que mantêm na nossa história, aflorando em crises, a persistente aspiração para as liberdades populares?

Se há, pois, diferenças em relação à Espanha, busquemo-las na alma, e não já no tão propalado controlo dos centros decisórios. Avento que é mais plástico o nosso espírito, mais aberto, mais conciliador e assimilador, que é mais político e mais cívico, mais humanista e mais liberal do que o espírito dos espanhóis; e que, se esta diferença de caracteres se não revelou melhor na nossa história, foi talvez que o influxo dos nossos vizinhos nos desviou da órbita natural e porque faltaram neste país as actividades produtoras em que pudesse apoiar-se uma classe forte, menos dependente do poder do estado. Os dirigentes, no século XIV em Portugal, tiveram almas de marujos, e não de pastores; criaram-se no porto, e não na planura. Ama o espanhol a sua aldeia: parece, porém, menos acessível do que nós o somos a um largo interesse pela coisa pública. É que nascemos para as instituições livres; é-nos necessária, a nós, a liberdade de discussão. O que falta, agora, é educar esse interesse espontâneo: torná-lo instruído das questões técnicas, dar-lhe um programa de realizações positivas, carrilá-lo enfim para as soluções concretas dos problemas económico-sociais. Fez-se a República com paixões e retórica: cumpre agora refazê-la com verdadeiras ideias, − e com tacto e senhorio de si…Mas não divaguemos. Volto à minha: quem quer no povo de Portugal instintos de liberdade em relação a outros países, − para uso externo, − tem de apreciar a liberdade em si, e para uso interno. Não será assim?


N. B. − Este texto é uma adaptação (muito ligeira!) de um outro que António Sérgio escreveu em Paris, em 1927, e está publicado nas suas Notas Políticas (incluídas no tomo III dos seus Ensaios). A independência a que ele se referia, então, era à fronteiriça, à da absorção territorial de Portugal por Espanha, coisa mais grave que a dos centros decisórios. Para além disso, cortei algumas partes do texto não adequadas ao momento presente e que em nada alteram nem o sentido nem as teses nele enunciadas.
Mas quando os nossos políticos pretendem que tais centros decisórios são fundamentais à independência que propalam, pergunto-me se não estão a vender barato bens nacionais a “mãos nacionais”, “mãos” essas que daqui a uns anos os comercializarão a estrangeiros com boas mais valias… Não teria a nação mais proveito, se desde já as vendesse o próprio Estado com tais mais valias a esses estrangeiros? Ou há políticos ganham também com aquela negociata?

sexta-feira, janeiro 20, 2006

AS REFLEXÕES DE SÃO JOSÉ ALMEIDA

Não se trata, penso, de um santo, mas tão só de uma cronista do Público, que reflectiu na edição de hoje deste diário. Respigo as reflexões que mais interessam ao que venho.

Primeiramente, a seguinte: “… que se prende com as consequências do campear de um individualismo feroz na sociedade portuguesa pós-25 de Abril, sem dimensão social e sem espírito público, responsável pela relativização ética da política portuguesa e pelo alastrar de uma promiscuidade corrupta que mina a sociedade.”

Logo de seguida: “… a inexistência de um projecto ou melhor de projectos de esquerda para a sociedade portuguesa. A esquerda portuguesa tem-se limitado a viver superficialmente da máquina do Estado à sombra de um clientelismo boçal − no que, aliás, convenhamos, é igualada pela direita − e sem cuidar em fazer a mínima reflexão teórica, sem se preocupar em debater coisa alguma, sem investir na busca de um modelo de desenvolvimento para o país, que ultrapasse a receita gasta e estafada introduzida por Cavaco Silva no início dos anos 90, a qual assenta exclusivamente nas obras públicas. Um projecto que repense e dinamize o papel do Estado, sem os mitos propagandísticos neoliberais de que é possível existir uma sociedade sem regulação estatal, ou que esta deve ser reduzida à sua ínfima expressão, numa espécie de reedição contemporânea do lassez faire lassez passer em que o lucro é o único valor. Quando vai a esquerda enterrar os cantos de sereia do pós-modernismo?”

Tem razão a cronista. Mas a constatação é estafada, lida e relida, dita e redita, a nada conduz.

Nada tenho de pessoal contra esta cronista, nem contra tantos outros que desta forma polulam na nossa imprensa. A verdade, porém, é que o país necessita de melhor. Precisa de cronistas que constatem coisas novas, que se abalancem noutras perspectivas e, sobretudo, que não se deixem arrastar pelo voo fácil da constatação superficial e analisem mais profundamente as causas do constatado e lhe proponham soluções.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

O AZUL NA CRIAÇÃO

Na luz se acolheu
Matou a sede da água
Abraçou o ouro no céu
Embebedou as aves
Adão tomou-o como seu.


SOBRE O AZUL

Percorrendo a simbologia do azul, deparo-me com coisas sabidas e com uma ou outra novidade.

Sabido o representar do céu, do caminho, da liberdade − na bandeira francesa, o parlamento −.
Sabido a virilidade, a nobreza do sangue azul.
Sabido que em tons leves proporciona paz e harmonia e que em tons fortes acarreta depressão, impetuosidade, mutabilidade.

Não sabido que representa a harmonia e a arte na bandeira do orgulho gay e que representa os heterossexuais na bandeira dos bissexuais.
Não sabido que, com o rosa, fazem as cores da libra, signo do zodíaco cigano, equivalente ao da nossa balança. Libra que representa o equilíbrio e a justiça, a riqueza material e espiritual. Rugero Malvasquez é o seu cigano protector.
Não sabido que se designa a segunda lua cheia num mesmo mês por lua azul. Lua que ocorre só três vezes em cada sete anos e está ligada a tradições da deusa terra, a Avalon e a duendes. Fernando Pessoa dedicou-lhe um poema, que é assim:


A Lua (dizem os Ingleses)

A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.
E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.
Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua(dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.


14-11-1931

quarta-feira, janeiro 18, 2006

PORTOGAIA

Criá-la, ideia sem paternidade, repescada por Filipe Meneses e (quixotescamente?) defendida por Paulo Rangel, terá mais valias, mas não as encontro nessa tosca defesa. A ideia sabe-me a uma refundação nacional, a Porto Cale, a um tempo passado, e, sobretudo, parece-me deparar com a escassez de pontes entre as duas cidades…

Melhor seria se os responsáveis por estas cidades se articulassem para levar a cabo projectos de gabarito e não de campanário, que as projectassem neste canto da europa.

Já aqui sugeri (quixotescamente?) um projecto de dimensão internacional para toda a zona do Porto ribeirinho, que então designei por Porto Cosmopolita. Permitiria a recuperação daquela zona − coisa que com capitais nacionais será uma quimera − e povoá-la-ia com gentes estrangeiras que aqui despenderiam os seus proventos. Trata-se de um projecto exequível, comercialmente vantajoso e que retomaria a tradição histórica de aquelas zonas serem muito povoadas por estrangeiros.

Um ilustre cidadão portuense devolveu-me a proposta com um comentário: “Fico à espera do que diz Rui Rio”.
Comentou bem. Mas penso ser sempre possível as pessoas rasgarem véus que as tolhem, compreenderem o interesse dos que representam com um horizonte maior e colocarem-no acima do seu.

terça-feira, janeiro 17, 2006

BENJAMIN FRANKLIN

No tri centésimo ano do seu nascimento, lavro aqui a minha admiração e respeito pelo Leonardo da Vinci americano, príncipe entre os maiores, 10.º filho de um operário que fazia sabonetes.
A EUROPA VELHA

Interrompo as minhas férias neste blog, à cause de um típico disparate, desta feita francês. São os franceses essa gente que fez o pensar de uma grande franja do europeu continental (exceptuam-se os países nórdicos), pensar que hoje não responde aos desafios do futuro e que, por isso, urge mudar.

O disparate é do seu Presidente da República. Refiro o título do Público (de hoje): “Jacques Chirac pretende lançar motor de busca europeu para concorrer com o Google”.

A hegemonia norte-americana combate-se, na opinião deste senhor, investindo largos milhões de euros dos europeus num mega-projecto, liderado, ou pelo menos condicionado, por burocratas. Não se combate fomentando antes uma nova cultura mais adequada a que surjam as iniciativas da sociedade civil, das empresas.

Escapa-lhe que depois do Google muitos outros e diversos Google’s virão… Pobre França, pobre europa continental!

sexta-feira, janeiro 13, 2006

O VERBO CINZENTO

Não gosto de homens pardos. Mas admiro a boa táctica, o estilo, de um discurso cinzento desenhado para bons fins por mulher ou homem rectos.

Pessoalmente, tenho dificuldade em o fazer. Sempre que o tento, fica-me a suspeita de que não gostarão. Uns porque não gostarão de discursos cinzentos, porque preferem o preto no branco. Os outros não gostarão do que digo apesar de em cinzento.

Não sou pardo e não me dou com o verbo cinzento.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

O MEU BLOGAR

Teclo coisas, dizeres, contos, ditos que são sempre reditos, umas e outros antes e depois de uns e de outras. Desolado, olho-as no monitor, refaço-as, apago-as e desisto, que o arquivo só deve albergar sonhos dignos, pensares de primeira água. Passá-las ao blog, nem pensar. E se alguém os lesse?! Se descobrisse que me perco em vírgulas, em pontos com dimensão, em gramáticas, em sintaxes, em pragmáticas, em intertextos, para nada dizer, para o que digo saber a nada?

Creio ter o sentido de tudo, de como as coisas são e serão, para no minuto seguinte em nada acreditar. Como o Fernando. Que também nasceu a 13 de Junho, que também a mãe expediu num barco, aos sete anos, para a metrópole, ao cuidado do comandante, e que depois escreveu um poema a que chamou o Menino de sua mãe. Nunca escreverei um poema assim. O meu comandante foi-se, o barco apequenou-se, nele só caibo eu, que remarei até não ter barco e que depois nadarei, sem nunca saber para onde.

Ensinaram-me o que não quis aprender. Aprendi o que não me ensinaram. Estudei muito para não saber nada. Não me valeu Séneca com o fim a aproveitar os ventos. Não abdiquei dos fins, cuidando que os objectivos eram coisas comuns, que me distraíam. Vivi sem uns e ainda não dei com os outros.

A tudo aspirei, mas nada quis, que estava em serviço. E vejo as pessoas a passar, cada uma fugindo do seu drama e nele vivendo. Ao fugir, tornam-se risíveis na sua pequenez, embrulham-se na sofreguidão de nada. E invejo a velha e pobre(?) vizinha do sábio com quem Cândido falou.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

A MÃO DO REDACTOR


Na coluna DIZ-SE do Público de 7/01/2006, aparecem, consecutivos, os seguintes ditos:

“Se perder as eleições, o mais certo é [Mário] Soares, no dia seguinte, não perceber que perdeu. Vai ficar tudo bem.”

PEDRO LOMBA, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 06-01-06

“Se sentir que as minhas qualidades estão a decrescer, (…) se começar a sentir-me diminuído por alguma razão, é evidente que isso põe-me um problema de consciência. E isso seria a renúnica.”

MÁRIO SOARES, SÁBADO, 06-01-06

Redator cínico, hem?

sábado, janeiro 07, 2006

VELHAS QUADRAS

Sobram-me na memória estas quadras antigas que, para não se perderem nos tempos, registo de seguida.

Carne de porco é presunto
Prato partido é caco
Homem morto é defunto
Olho do cú é buraco

No cume daquela serra
Plantei uma roseira.
Quanto mais a rosa cresce
Mais a rosa do cume cheira.

Oh pensão da morte lenta
No inferno sejas tu!
Já tenho ferrugem nos dentes
E teias de aranha no cú.

Primeiro roeu as unhas
Os dedos depois roeu.
Foi roendo o corpo inteiro
Roeu-se todo e morreu.

As três primeiras “rimam” em torno de uma palavra controversa e contudo banal, enquanto a última talvez tenha sido escrita por uma assassina ingénua, que assim pretendia justificar o desaparecimento de um cara-metade, dando-o como ansioso em excesso.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

MULTINACIONAIS E INDEPENDÊNCIA(?) PORTUGUESA

Leio e ouço, surpreendido, de quando em quando, as preocupações de dignatários de partidos, de comentadores de pacotilha ou não, até de Jorge Sampaio, sobre a perda de “independência” nacional resultante da tomada de posição em grandes empresas nacionais por outras multinacionais. São preocupações que vêm em ondas, provocadas normalmente por circunstâncias do momento, causando grande bulha.

Duvido da autêntica sinceridade destas gentes, Jorge Sampaio incluído. E duvido, porque não os vejo preocupados, honesta e activamente, no dia a dia, com a maior causa da não independência nacional, que é a fortíssima dependência da mulher e do homem portugueses face ao Estado (e também face às organizações várias que as(os) enquadram). Esta sim, é causa da não independência nacional, na profunda acepção do termo. A independência de uma nação assenta, antes do mais, na independência das suas mulheres e dos seus homens. Se umas e outros forem independentes, verdadeiramente adultos, capazes de assumir e construir os seus destinos, não permitindo que outros nisso se lhes substituam, então a nação será independente. Mas não é o caso.

E, sabem os mais entendidos, que não estou só, bem antes pelo contrário, quando sustento que essa recusa em ser adulta(o), em ser independente, da nossa mulher e do nosso homem, é a principal causa do nosso atraso, desde há longos anos. E até as nossas ditas “elites”, ontem como hoje, têm vivido “das migalhas que caem da mesa da Europa”.

E desconfio que, se tais gentes não se preocupam com esta dependência da mulher e do homem português, e se se preocupam com a primeira, com a da referida tomada de posição por parte das multinacionais, ou é porque são ignorantes, ou é porque alguma coisa perdem com isso, ou é porque procuram uma desculpa para o seu não contributo para resolverem aquela principal causa da não independência nacional, ou é porque são fatalistas.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

INSTABILIDADE POLÍTICA

“Há muita gente que vota Cavaco Silva porque pensa que ele é o salvador. (…) O que vai dar é que a instabilidade política vai crescer, e muito, se Cavaco Silva for eleito”.
João Cravinho, à Rádio Renascença, em 3/1/06 (citado no Público de 4/1/06)

Não voto nestas eleições, porque não vejo nos candidatos um que possa, em meu entender, bem servir o país. Aparte isso, se com Cavaco Silva a instabilidade política crescer, poderá ser coisa boa, se for acentuada, se proporcionar grandes mudanças.

Efectivamente, o país precisa de se alijar de muitos dos seus actuais dirigentes, precisa de renovar elites, de se libertar de um 25 de Abril que não se consumou em autêntica revolução. Seja na classe política, seja nas associações e outras organizações de intervenção pública. Gente menos presa a interesses instalados, menos presa a ideias passadas, a pensar em promover o português como adulto e não como subserviente ao Estado e dele sempre dependente.

Efectivamente, o país precisa de desmontar meticulosamente a monstruosa máquina do Estado e de reduzi-la a um pequeno corpo de trabalhadores competentes e com vontade de bem servir. Precisa que o Estado seja menos interventivo e melhor fiscalizador. Precisa de desmontar e tornar coerente o confuso aparelho legislativo, mais criado para tentar controlar “a priori” do que para bem regulamentar o essencial e estabelecer a boa fiscalização.

Efectivamente, o país precisa que se mobilize a sociedade civil, para além dos partidos políticos, para a intervenção empenhada e respeitadora, no político, no social e no económico. Há que libertar e canalizar essas enormes energias desperdiçadas e que por aí vivem frustradas.

Efectivamente, o país precisa… de tanta coisa! Coisas que sem uma boa dose de instabilidade, sabiamente controlada, não acontecerão. Não se cresce sem sofrimento. E Portugal precisa de crescer.

Acompanho, pois, João Cravinho no seu desejo de que a futura eleição de Cavaco Silva contribua para tal tipo de instabilidade.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

NOVAMENTE O TURISMO RESIDENCIAL


Portugal tem feito muito pouco pela vida, em parte preso a élites de pensares serôdios e em parte pelos interesses do passado, ou seja, instalados. No que respeita ao turismo residencial, onde temos excelentes perspectivas, ó no Algarve se vão comercializando, e de forma muito incipiente, habitações a estrangeiros. Normalmente são estes que as vêm procurar, ou então procura-se comercializá-las através da internet − um meio baratucho e pouco eficaz (estudos demonstram que a intervenção de um intermediário próximo, em que depositem confiança é um factor chave) −, não se recorre a estudos de mercado sobre a opinião da procura e sobre os canais de comercialização a adoptar nos principais mercados (alemão e inglês). Enfim, uma abordagem pouco profissional. Um não fazer o trabalho de casa.

E não percebo porque não se comercializam noutras zonas, no Porto e na costa do Minho, por exemplo. Estudos - estrangeiros, obviamente - a que tenho acesso, e não estou autorizado a divulgar, mostram existir um segmento apreciável de reformados, cujos principais interesses, para além do clima, são a hospitalidade, os custos da habitação/de vida, a qualidade de vida e a gastronomia. E cujas principais reticências se prendem com a língua e a distância (ao aeroporto), a cultura, a paisagem.

Porque não poderá, neste quadro o Porto/Minho, competir com o Algarve? Só porque os nossos municipalistas e os nossos empreendedores nisso não acreditam. Uma questão de fé, pela negativa.

terça-feira, janeiro 03, 2006

A DEPRESSÃO CHEGOU ONTEM AOS PRÓS E CONTRAS

Não chegou em surdina, mas anunciada. Trazida mais pelos comentadores do que pela Fátima, espraiou-se pelos ditos e reditos e consagrou-se no “optimismo dramático” com que Boaventura S. Santos encara o 2006 português.

Muito se poderia dizer sobre os comentários produzidos no programa, feitos por gente que apreciamos. A verdade é que não trouxeram novidade, mas as visões e soluções repisadas, na maioria comuns às do impasse na correspondente discussão europeia. O desfecho, Fátima, não podia ser outro. Notei-lhe tristeza com o rumo da conversa (estarei enganado?), talvez porque entende, e bem, que o seu programa devia ser um ponto de partida para a construção e não para o desalento.

O desfecho não podia ser outro, escrevia, porque o assunto exige análise mais funda. Como diria Sérgio, o voo fácil na análise do que condiciona o social português (e europeu), não nos é útil, não nos permite tirar pistas para os males de que padecemos. Não repetirei o que sobre assunto já fui escrevendo neste blog, ao longo de 2005. Mas gostaria de chamar a atenção para algo que me parece ter escapado à conversa de ontem e gostaria de fazer também uma sugestão à Fátima.

O que me parece ter escapado à conversa, foi a necessidade de destrinçar muito bem o problema português do problema social europeu. Embora haja semelhanças com o que acontece na Europa mais desenvolvida, a verdade é que o nosso atraso em relação a ela é substancial, por um lado, e as características sociais e culturais que nos imobilizam são mais vincadas que as correspondentes europeias, por outro. O que tem, obviamente, consequências importantes no pensar das soluções.

Quanto à sugestão à Fátima, resulta ela de uma constatação simples. Nos seus programas vejo sempre os mesmos comentadores, que já conhecemos de outras bandas. Da mesma forma que vejo sempre as mesmas pessoas à frente de municípios, de associações empresariais, de sindicatos, eu sei lá! Não há mais gente neste país que possa ajudar? Não há estrangeiros a viver no país que possam dar a sua perspectiva? Se nos programas são realmente necessários especialistas, pois convide alguns. Mas convide também gente nova, de qualidade, que a há, certamente. Contribua, pois, para o renovar tão necessário das elites deste país.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O FUTURO DO SOCIAL NA EUROPA

Há uns dois anos, um artigo da liberal Forbes questionava os franceses sobre como tencionavam trabalhar menos, ter um melhor estado social e viver mais anos no mundo actual. Quem pagava a factura?

Dois anos decorridos, os franceses estão mais pobres e com mais problemas. E com eles, grande parte da europa continental, que não consegue arejar as ideias, libertar-se das amarras do passado, concentrar-se no futuro.

Procuro que os meus alunos percebam que irão viver até aos 150 anos, que não se poderão provavelmente reformar antes dos 120(?); que, ao ritmo do avanço do conhecimento, não se trata já de estudar vida fora, mas de se prepararem para mudar completamente de saberes ao longo da sua vida. Alguns compreendem ao que vou, os outros, a seu tempo, também o compreenderão.

E pergunto-me se os cidadãos europeus compreendem, estão preparados para as grandes mudanças que terão de enfrentar? Mas quem os prepara? O amontoado de dirigentes desorientados, impreparados para o futuro que já se visiona?
Sabemos hoje que a mudança pode ser gerida, que existem metodologias para diminuir as resistências à mesma, que se requer preparação adequada. Mas as classes dirigentes insistem em o ignorar, agarradas que estão a ideias passadas e aos interesses instalados, por isso mesmo, interesses do passado.

Uma questão fundamental é a de como se devem os estados europeus organizar para compatibilizarem a necessidade crescente de individualismo, de criatividade, para dar resposta ao futuro, com a necessidade de perseverar a solidariedade social tão cara, e bem, a este continente.

No que concerne à previdência social, os estudos mais diversos, embora nem sempre unânimes, parecem indicar que o sistema actual não é viável do ponto de vista financeiro. E quando olho para a crescente desumanização inerente a este sistema, onde se passa ao largo do pobre que dorme na soleira, dos velhos sós, dos com fome, envergonhados ou não, constato que os males não são só os financeiros. O modelo não só está esgotado, como não prova.

As famílias já não são pilar social, como o eram no passado, capaz de assegurar o apoio aos seus mais carenciados, às suas crianças, aos seus velhos, aos seus doentes. Mas os estados e os seus sistemas continuam a fundar-se na velha noção da família/clã, exigindo-lhe uma resposta que ela já não pode dar. Ora o mudar esta perspectiva pode ajudar ao encontrar de soluções para a crise do social.

Talvez os europeus pudessem aproveitar a oportunidade para criar uma nova célula social base onde assentar a construção da sociedade. Célula local que providenciasse serviços mais humanizados e de maior proximidade aos seus carenciados, crianças, velhos, desempregados, doentes. Célula a funcionar sempre numa lógica de abertura ao todo social em que se inserem[1], condição necessária à sua evolução e ao acrescer da sua inteligência.

O ressurgimento do conceito da comunidade local? Talvez. Mas, sobretudo, o encontrar novas formas de organização social capazes de aproveitar as enormes energias solidárias disponíveis nas nossas sociedades para resolver as grandes questões sociais, mobilizando os europeus no revolucionar do seu modo de estar, no revolucionar das suas mentalidades.

[1] Ou seja, ter-se-ia de garantir a fácil possibilidade de os cidadãos que as integram, migrarem de uma para outra, e teriam de constantemente se adaptar ao todo social e para ele contribuírem. [Sabemos hoje que os sistemas fechados sobre si próprios não evoluem, transformam-se em abcessos sociais que, tarde ou cedo, prejudicam a harmonia social].

domingo, janeiro 01, 2006

O ESTADO PORTUGUÊS EM 2005 − 2006

Em 2005, deparei com candidatos à Presidência da República que não possuem as capacidades requeridas pelo bom andamento do país.
Em 2006, um deles vai assumir a função.
A culpa é do Estado, que não promove as competências, e não dos portugueses, coitados.

Em 2005, o Governo resolveu endividar as gerações futuras com o TGVOTA, mesmo depois do desastre nas eleições autárquicas.
Em 2006, com o beneplácito do futuro Presidente da República, vai começar a gastar essas massas.
A culpa é do Estado, que tem de alimentar partidos e interesses do passado que o suportam, e não nossa que face a ele nada podemos fazer, coitados.

Em 2005 debati-me com a questão de, na qualidade de professor de cursos de engenharia, dever ou não aprovar alunos que não dominavam a língua portuguesa minimamente para exercerem a profissão de engenheiro.
Em 2006, terei o mesmo problema, possivelmente agravado.
A culpa é certamente do Estado e não dos paizinhos e dos professores do ensino secundário, coitados.

Em 2005 mudei da habitação. Como ainda não consegui vender a antiga, estou a pagar juros enormes do empréstimo que para o efeito contraí.
Em 2006, devo continuar a ter dificuldade de vender a antiga e tenho de mandar fazer mais uns furos no cinto.
A culpa é do Estado, que não anda com isto para a frente, e não nossa, coitados.

Como compreenderão, a lista seria interminável, pelo que a minha depressão atingiria níveis provavelmente insuportáveis, não compatíveis com as minhas disponibilidades para ir ao psiquiatra. Fica à vossa imaginação − e resistência à depressão − o acrescentá-la.
No fundo só queria que compreendessem que, em 2005, a culpa era do Estado e, em 2006, o será também. Mais descansadinhos nas vossas poltronas?